quarta-feira, 17 de outubro de 2012

LINGUAGEM E SÍNDROME DE ASPERGER




As pesquisas sugerem que quase 50% das crianças portadoras da Síndrome de Asperger demoram a desenvolver a fala, mas geralmente, adquirem fluência até os 5 anos de idade (Eisenmajer et al. 1996). No entanto elas se destacam por se mostrarem claramente inábeis de manter uma conversação natural. Apesar de a aquisição da fonologia e sintaxe (pronuncia e gramática) seguir os mesmos padrões seguidos pelas demais crianças, as diferenças ocorrem em áreas específicas da pragmática daqueles (i.e. como a linguagem é utilizada no contexto social); semântica (i.e. não reconhecer que pode haver vários significados); e prosódia (i.e. tom, acentuação ou ritmo incomuns). Hans Asperger originalmente descreveu o perfil distinto das habilidades lingüísticas, e um dos critérios diagnósticos de Carina & Christopher Gillberg (1989) cita as características da fala e linguagem incomuns , com pelo menos três das seguintes:
(a) desenvolvimento tardio
(b) linguagem expressiva superficialmente perfeita
(c) linguagem formal, pedante
(d) prosódia incomum, características da voz peculiares
(e) deficiência na compreensão, incluindo a má interpretação de sentidos literais/ significados implícitos.

Cada uma dessas características será explicada neste capítulo. O critério diagnóstico de Peter Szatmari & colaboradores (1989) cita a linguagem incomum, mas acrescenta que a criança pode falar muito ou muito pouco, faltar coesão na conversação e apresentar um uso idiossincrático das palavras e padrões de linguagem repetitivos.

A Associação Americana de Psiquiatria e a Organização Mundial de Saúde também fazem uma referência às habilidades de linguagem em seu critério diagnóstico, mas citam que ‘não há um atraso clinicamente significativo da linguagem’. Infelizmente, isto pode ser interpretado como a ausência de características incomuns de linguagem. Por volta dos cinco anos, a criança Asperger não possui um atraso global na linguagem, mas apresenta problemas em componentes específicos da linguagem. O mais significativo está na área do pragmatismo.

Pragmatismo ou a Arte de Conversar

Aqui o problema é o uso da linguagem no contexto social (Baltaxe et al. 1995); Baron-Cohen 1988; Eales 1993; Tantam et al. 1993). Isto se torna bastante evidente quando conversamos com um portador de SA. Durante a conversa, vários erros são cometidos. O Asperger pode iniciar a interação com um comentário sem relevância para a situação ou pode quebrar os códigos de conduta social e cultural. Por exemplo, a criança pode abordar um estranho no supermercado, e dizer, ‘Você tem um cortador de grama manual?’ , e depois falar a respeito de tudo que ela sabe a respeito desse tipo de aparelho. Uma vez iniciada a conversa, parece não haver um botão de ‘desligar’, e a criança só irá parar após ter falado tudo que estava predeterminado em seu script . Às vezes os pais podem prever exatamente o que a criança vai falar depois. A criança parece não notar o efeito que causa na pessoa que a escuta, ainda que esta mostre sinais claros de vergonha ou desejo de cortar a interação. Tem-se a nítida impressão de que a criança não escuta o que lhe é dito, ou não sabe como incorporar os comentários, sentimentos ou conhecimento em seu diálogo.

Portanto, é preciso ensinar a criança a conversar. É preciso ensinar frases de abertura convencionais ou comentários e perguntas apropriados ao contexto. Isto pode ser aprendido utilizando-se a encenação, onde circunstâncias diferentes são ilustradas e dá-se então a explicação do por quê de certas frases de abertura serem impróprias. Exemplos extremados podem ser demonstrados pela professora, perguntando-se a criança o que estava errado e o que a professora deveria ter dito, fazendo com que a criança pratique as alternativas apropriadas.

Outras áreas onde a criança pode apresentar dificuldades:
§ retificando um diálogo
§ lidar com incertezas ou enganos
§ superar a tendência de fazer comentários irrelevantes
§ saber quando não interromper.

Quando uma conversa se torna confusa, pelo fato da outra pessoa ser imprecisa ou pelo fato de a resposta esperada não ser clara, a reação natural das pessoas é solicitar uma explicação. Isto possibilita que ambas continuem no mesmo tópico. Quando em dúvida do que falar, a pessoa com SA tende a fazer longas pausas para pensar antes de responder ou muda de tópico. Ao invés de dizer ‘Eu não entendi o que você quis dizer com isso’, ou ‘Eu preciso pensar um pouco sobre isso’, ela pode demorar muito tempo antes de responder, ou muda a conversa para um tópico que ela conheça. Isto leva à conversas bem pausadas, ou dá a impressão de que o diálogo sempre volta para o tópico de interesse da pessoa SA. Se no início se conversa sobre as férias, poucos minutos depois, pode-se acabar falando de dinossauros.

Pode haver certa relutância em responder, se a pessoa Asperger não tem conhecimento de um assunto ou não se sente confiante em dizer ‘Eu não sei’ ou ‘Estou confuso’ . Neste caso a criança precisa aprender como explicar que está confusa e pedir ajuda. Frases e respostas apropriadas precisam ser ilustradas e ensinadas. É preciso enfatizar que pedir explicação não significa fracasso. Uma das razões que fazem com que os tópicos de interesse dominem a conversação, é o fato de a pessoa Asperger possuir conhecimento e vocabulário suficiente para facilitar a sua fluência e compreensão durante a conversa. O portador da Síndrome Asperger tem um forte desejo de não parecer estúpido. Isso pode ser ilustrado pelo comentário de Sean Barron:

Eu tinha uma necessidade muito grande de fazer perguntas a respeito dos estados Norte- Americanos, porque eu sentia que eu não conseguia conversar do jeito que as pessoas ‘normais’ conversavam, nem conseguia participar de suas conversas, uma vez que não as entendia bem. Todo mundo falavam naturalmente, e a conversa fluía com facilidade, e eu me sentia muito inferiorizado, excluído, menos importante. Eu precisava compensar essa deficiência, e que melhor maneira de fazê-lo do que mostrar as pessoas que eu conhecia todos os cinqüenta estados, suas localizações no mapa e seus formatos? Precisava mostrar a todos quão esperto eu era de fato, e fazendo perguntas era justamente o que eu procurava demonstrar. Eu nunca perguntava, ‘Em que estados você já esteve?’ , mas, ‘Você já esteve em Montana?’ de modo a mostrar que eu conhecia todos os estados (Baron & Baron 1992, pp.107-108).
Outra característica singular, é a tendência em fazer comentários irrelevantes. Pode-se fazer uma declaração ou pergunta que não estejam ligados de maneira óbvia ao tópico da conversação. Isto pode ser uma associação de palavras, fragmentos de um diálogo anterior, ou algo bem bizarro. Parece que a criança fala a primeira coisa que vem a sua cabeça, sem perceber que isto pode não fazer sentido para a outra pessoa. A razão para tal característica permanece desconhecida. Quando isto ocorre, não sabemos se devemos responder ao comentário irrelevante, ou se devemos ignorá-lo, e continuar a conversa. O autor tende a ignorar tais comentários, e concentrar-se no tema central da conversa.

Também pode haver uma tendência a interromper ou falar ao mesmo tempo em que o outro está falando. Temple Grandin (1995) descreve como:

Durante os últimos anos, tenho tomado maior conhecimento de um tipo de eletricidade que ocorre entre as pessoas. Tenho observado que quando várias pessoas estão juntas se divertindo, suas conversas e suas risadas obedecem à um ritmo. Elas riem juntas e depois falam calmamente até o próximo ciclo de risadas. Eu sempre tive muita dificuldade em entrar nesse ritmo, e normalmente eu interrompo uma conversa sem perceber o meu erro. O problema é que eu não consigo seguir o ritmo. (pp.91-92).

Esta seção é chamada de ‘Pragmatismo ou a Arte de Conversar’, e Carol Gray (1994) desenvolveu uma técnica que se chama Diálogo de Gibi, que é uma representação gráfica dos diferentes níveis de comunicação que ocorrem numa conversação. Utilizam-se bonecos desenhados e balões de pensamento e de fala, símbolos e cores para permitir que a criança veja aspectos que não tinha conhecimento antes.

Por exemplo, um dos aspectos potencialmente irritantes da Síndrome de Asperger, é a tendência a interromper. O Asperger tem dificuldade em identificar os sinais que indicam que deve iniciar a conversa (i.e. uma pausa momentânea, o final de um tópico de conversação ou a linguagem corporal e o contato visual que indicam ‘sua vez’). Também pode não avaliar o efeito que a interrupção terá na fluência da conversa ou nos sentimentos da outra pessoa. A habilidade de interromper sem causar ofensa ou perturbação é bem complexa e difícil de explicar, mas uma figura vale por mil palavras.
Carol utiliza o seguinte Diálogo de Gibi para descrever aspectos da interrupção:
 Interromper: quando minhas palavras vão de encontro às palavras das outras pessoas

Esta técnica pode ser aplicada a uma grande variedade de problemas que surgem com as habilidades sociais e de conversação. Os balões de fala podem ser desenhados de maneiras diferentes que possam indicar emoções – por exemplo, balões pontudos indicam raiva, balões ondulados indicam ansiedade. Também podem-se usar cores. Declarações positivas ou que indicam felicidade podem ser escritas em verde, enquanto que pensamentos negativos podem ser escritos em vermelho. Uma tabela de cores pode ser criada. Por exemplo, comentários embaraçosos podem ser escritos na cor rósea, sentimentos de tristeza podem ser escritos em azul. Estas podem se relacionadas aos tons de voz elinguagem corporal.

Diálogo de Gibis permitem à criança analisar e entender a gama de mensagens e significados que são uma parte natural da conversação ou da brincadeira. Muitas crianças Aspergers ficam confusas e aborrecidas com comentários sarcásticos ou provocativos. Os balões de fala e de pensamento, bem como o uso de cores podem ilustrar as mensagens subliminares.

Carol observou que as crianças Aspergers tendem a supor que as outras pessoas pensam exatamente a mesma coisa que elas, ou então, acreditam que pensam exatamente aquilo que falam. Os Diálogos de Gibis podem então ser usadas para demonstrar que, numa mesma situação, cada pessoa pode ter sentimentos e pensamentos diferentes. Outra vantagem dessa técnica, é que ela pode ser usada para representar a seqüência de eventos numa conversação e ilustrar os efeitos potenciais de uma gama de comentários alternativos ou ações.

Em um diálogo, há indícios de mudanças de tópico. Por exemplo, se durante o diálogo sobre compras recentes descobrimos que alguém teve uma experiência desagradável, tal como perder o dinheiro, tendemos a modificar o roteiro e oferecer comentários de solidariedade. Os diálogos com Aspergers trazem menos exemplos de comentários espontâneos de solidariedade. Entretanto, quando um adulto produz uma assertiva adequada, as crianças Aspergers podem usá-la como uma ajuda para produdirem seus próprios comentários de solidariedade. (Loveland & Tunali 1991). Portanto, o significado de algumas situações pode não ser entendido, ou a pessoa pode necessitar de uma deixa ou exemplo para produzir uma resposta de solidariedade. Se tal resposta for apropriada, o pai ou professor podem fazer um comentário de solidariedade primeiro, que leve a criança a iniciar seu próprio comentário adequado. O currículo da criança também necessita de orientação utilizando estórias que ilustram as situações para comentários de solidariedade ou de mudança de tópico.

Outras características da arte da conversação são indagar ou comentar as opiniões, habilidades e experiências de alguém, oferecer condolência, concordar e elogiar, tornar o assunto interessante, e saber como e quando escutar e olhar para a outra pessoa. Estas são habilidades bastante complexas e avançadas que podem ser difíceis para a criança ou adolescente Asperger. Uma atividade para crianças jovens para encorajar estas habilidades é organizar um diálogo entre a criança SA e outra criança ou adulto, mantendo o pai ou professor próximos a elas. A idéia é sussurrar em seu ouvido o que dizer ou fazer e quando dizê-lo. Seu ‘tutor’ identifica a situação relevante e sugere respostas adequadas, gradualmente encorajando a criança a iniciar seu próprio diálogo e ações. Um exemplo é sussurrar “Pergunte ao Simom sobre seu programa de TV favorito”, ou “Diga ‘Eu também gosto desse programa’”, de modo que o diálogo não se restrinja a uma série de perguntas. Uma atividade em sala de aula para encorajar o diálogo é fazer as crianças trabalharem aos pares. Cada participante pratica como iniciar um diálogo com um estranho ou manter o diálogo com um amigo. Previamente a classe identificará diversas formas de iniciar um diálogo tais como ‘Como vai você hoje?’ ou ‘O que você acha do clima?’ ou outra notícia em evidência. Também já identificaram e revisaram informações sobre a outra pessoa e pensaram sobre perguntas relevantes ou tópicos para discussão, por exemplo, ‘Você gostou da cerimônia de casamento do seu tio?’, ‘Sua avó melhorou?’ ou ‘ Como é o carro novo do seu pai?’. Outra atividade é tentar descobrir pelo diálogo coisas que têm em comum. Para os adolescentes, o currículo para as aulas de drama e oratória pode ser modificado para isolar, ilustrar e praticar os elementos chaves das habilidades de boa conversação. Algumas crianças necessitarão aprender o que dizer em situações particulares, por exemplo, quando estiverem sendo molestadas, precisando ficar sós, pedir ajuda ou ao perder um jogo.

Antes de descrever outros aspectos usuais da linguagem de Aspergers, o seguinte trecho fornece uma oportunidade ao leitor de identificar os erros nos aspectos pragmáticos da linguagem que ocorrem durante um encontro entre Bill Bryson, o famoso autor de livros de viagem, e uma pessoa que parece ser Asperger. (1995)

Ao longo de muito tempo me ocorreu que o tipo de pessoa que lhe aborda em um trem é quase, por definição o tipo de pessoa com quem você não deseja conversar em um trem, portanto, hoje em dia eu geralmente me fecho me entretenho com a leitura de autores mais loquazes como Jan Morris e Paul Theroux Portanto, há uma certa ironia no fato de que estava eu sentado cuidando da minha vida quando um cara vestindo um casaco barulhento chegou, olhou o livro, e gritou, ‘Ah, esse Thoreau!’ Eu levantei os olhos para vê-lo sentar-se à minha frente. Parecia ter pouco mais de sessenta anos, com uma moita de cabelos brancos e espessas sobrancelhas eriçadas em pontas para cima, como merengue. Parecia que alguém o tivesse erguido pelas sobrancelhas.
‘Não conhece seus trens.’ ele disse.
‘Como?’ respondi cuidadosamente.
‘Thoreau.’ Ele balançou a cabeça em direção ao livro. ‘Não conhece seus trens. Ou se conhece, não diz.’ Riu com vontade do que disse e gostou tanto que repetiu o comentário e sentou-se com as mãos sobre os joelhos se sorriu como se tentasse se lembrar de quando foi a última vez que nós nos divertíramos tanto.

Acenei discretamente em atenção à sua observação e voltei minha atenção ao meu livro em um gesto que eu esperei que ele interpretasse corretamente como um convite para se *****. Ao invés disso ele se aproximou e puxou o livro com um dedo torto – uma atitude que considero profundamente irritante na melhor das ocasiões. ‘Você conhece aquele livro dele – “As Grandes Ferrovias de não sei o que mais?” Através da Asia. Conhece?’

Balancei minha cabeça.

‘Você sabia que neste livro ele viaja de Lahore para Islambad no “Expresso Delhi” e sequer menciona a marca da locomotiva?’

Percebi que aguardava um comentário, então falei, ‘Oh?’

‘Jamais cita. Pode acreditar nisso? Para que serve um livro de ferrovias se não fala das locomotivas?’

‘Então você gosta de trens?’ Disse, e imediatamente me arrependi.

A próxima coisa que me lembro é que o livro estava no meu colo e estava escutando ao homem mais chato do mundo. Senti-me prisioneiro daquelas sobrancelhas enormes e pela constatação que possuía outro rico tufo de cabelos em seu nariz. Parecia tê-los banhado em tônico capilar. Ele não era apenas um observador de trens, mas também um falador de trens, um estado muito mais perigoso.

‘Agora, este trem aqui,’ dizia, ‘é uma unidade auto-selada Metro-Cammel construída na fundição de Swindon, suponho entre julho de 86 e agosto, ou no máximo em setembro de 88. A princípio eu pensei que não pudesse ser um Swindon 86-88 por causa da costura cruzada no encosto do assento, mas então percebi os rebites convexos nas laterais, e pensei comigo mesmo, O que temos aqui Cyril meu velho, é um híbrido. Não há muitas certezas nesse mundo, mas os rebites convexos Metro-Cammel jamais mentem. Então onde você mora?’

Levei algum tempo para perceber que me fizera uma pergunta.
‘Uh, Skipton,’ disse, meio que mentindo.

‘Vocês têm Cross & Blackwell de declives cruzados lá’, disse ele , ou algo assim. ‘Mas eu moro no Upton-on-Severn’.

‘A ressaca de Severn’ (1), disse reflexivamente, mas ele não entendeu a indireta.



(1) Trocadilho entre “ressaca” e “chato” = “bore”, em inglês.


‘Exato. Passa pela minha porta.’ Olhou para mim com um toque de perturbação, como se eu estivesse tentando distraí-lo de sua tese principal. ‘Lá nós temos os ciclos circulares Z-46 Zanussi com impulsionadores horizontais Abbot & Costello. Você pode sempre identificar uma Z-46 porque elas fazem ‘patush-patush’ sobre as emendas ao invés de ‘catóinque- catóinque’. É batata! Aposto que você não sabia disso.’

Acabei sentindo pena dele. Sua esposa havia morrido há dois anos – suicídio, deve ter sido - e ele havia se devotado desde então a viajar nas ferrovias inglesas, a contar rebites, anotando placas frontais, e tudo o mais que estas pobres criaturas fazem para passar o tempo até que Deus as leve em Sua misericórdia. Li recentemente um artigo de jornal em que um palestrante Sociedade de Psicologia Britânica descreve a observação de trens como uma forma de autismo chamada de Síndrome de Asperger.

Ele desceu em Prestatyn – algo a ver com uma Faggots & Gravy cargueira de água e combustível de 12 toneladas que deveria chagar pela manhã – e acenei para ele da janela do trem ao partir, e depois regozijei da inesperada paz. Escutei o trem mover-se sobre os trilhos –parecia dizer ‘asperger, asperger’ – e passei os últimos 40 minutos até Llandudno contando rebites.(pp.193-195)

Embora Bill Bryson estivesse aborrecido, seu companheiro provavelmente apreciou a oportunidade de fazer um monólogo sobre seu assunto favorito.

Interpretação Literal
O portador de SA tende a possuir uma interpretação literal do que a outra pessoa diz. Por exemplo, o pai de um jovem garoto Asperger pediu que ele lhe fizesse uma garrafa de chá. Algum tempo depois seu pai estava preocupado com sua demora em retornar com o chá e perguntou ao filho, ‘ Onde está o chá?’ O filho respondeu, ‘Na garrafa, é claro.’ Seu filho não sabia que deveria preparar o chá, e então entregar uma xícara contendo chá para cada pessoa. Numa sala de aula, a professora pediu a um aluno Asperger, ‘faça seu trabalho direito’. A criança parecia confusa e então moveu seu caderno para o lado direito de sua carteira. Um pai conseguiu parar seu filho em tempo, antes que ele fizesse o que foi pedido ‘vá andar sua bicicleta lá embaixo’(em inglês, lá embaixo = escada abaixo = downstairs). Numa avaliação diagnóstica foi perguntado a uma garota ‘Você sabe contar até dez?’ ao que ela respondeu ‘Sei’ e continuou a brincar sozinha. Uma visita disse a uma criança Asperger, ‘Você tem os olhos do seu pai.’ A criança, bastante aborrecida, virou-se a para sua mãe e disse, ‘Eu tenho meus próprios olhos, mãe’. Pode também haver uma interpretação literal de figuras. Uma criança Asperger assistia ao desenho animado do Papa-Léguas onde o coiote caía em um precipício e de repente usava uma sombrinha como pára-quedas. Esta cena foi bastante confusa para a criança, que perguntou, ‘Por que ele fez isso se não estava chovendo?’

A pessoa com SA não está sendo chata de propósito, ou boba. O fato é que ela não tem um conhecimento dos significados múltiplos ou implícitos. Esta característica também afeta o entendimento de frases comuns, idiomas ou metáforas como :

O gato comeu sua língua? Apareceu do ar.
Siga em frente Você está fazendo hora
Mantenha o olho na bola. Bateria arriada
Mude de idéia Eu chamei sua atenção
De quatro. Morto de alegre.
As aparências enganam. Sua voz está engrossando.
Vamos brindar a noiva. Componha-se.

O autor observou que cada uma dessas frases causou certa confusão, e os pais precisam explicar ‘é só uma figura de linguagem’.

O capítulo anterior incluía uma sessão sobre as Estórias Sociais desenvolvidas por Carol Gray. Essas estórias também podem ser empregadas para ajudar a criança a compreender as figuras de linguagem, tais como expressões idiomáticas. Carol utilizou o seguinte exemplo de Estória Social para explicar uma das frases acima:

Às vezes uma pessoa diz, ‘Eu mudei de idéia’(em inglês, eu mudei de mente)
Isto significa que a pessoa teve uma idéia, mas que depois ela teve uma outra, nova, idéia.
Eu vou tentar ficar calmo quando alguém mudar de idéia.
Quando alguém diz, ‘Mudei de idéia’, eu posso imaginar alguém escrevendo algo, e depois riscando o que foi escrito para escrever algo novo.

A criança pode ser encorajada a falar a frase que achou confusa, como, ‘esfrie a cabeça’ ou ‘te pego mais tarde’, e tentar adivinhar o significado. Pode-se então elaborar uma estória para explicar o significado e as situações onde a expressão pode ser empregada.

Normalmente o Asperger fica bastante confuso com gozações. As regras e o humor desse tipo de frase podem não ser reconhecidos. Os pais muitas vezes precisam explicar que estavam apenas ‘brincando’. Por exemplo, perguntou-se ao Robert por que ele havia mordido o braço do Diretor. O entrevistador, com tom de voz e expressão corporal de gozador, perguntou se era porque ele estava com fome. Robert não mostrou nenhum sinal de reconhecimento que era uma brincadeira, e calmamente respondeu, ‘Não, eu comi meu lanche’. Ocorre um mal entendido semelhante quando é utilizado sarcasmo, falsidade ou mentira. Quando outras crianças fazem de conta que são um personagem famoso da TV, a criança Asperger não consegue entender o por quê da mudança de nome e personalidade. Também há problemas com relação a detectar se alguém está mentindo.

As outras crianças podem achar bem divertido explorar essa ingenuidade.

A interpretação literal também pode levar a problemas de comportamento recorrentes. Por exemplo, Donna Williams, em sua autobiografia, explica como:

O significado das coisas que me eram ditas, quando eu as absorvia como sendo mais do que meras palavras, era aplicado apenas para aquele momento ou situação particular. Então, certa vez, quando recebi uma bronca por ter pichado os muros do Parlamento durante uma excursão, eu concordei em nunca mais fazer isso novamente, e dez minutos depois fui pegue pichando o muro da escola. Para mim, eu não estava ignorando o que me foi dito, nem estava tentando ser engraçada: eu não fiz extamente a mesma coisa que antes. (1995,p.61)

Pais, parentes e professores precisam estar atentos ao fato da criança fazer uma interpretação literal do que é dito, e que precisam parar para lembrar que seu comentário ou instrução pode ser mal interpretado ou confuso. A criança pode sentir desconforto quando o professor conta piadas, usa duplo sentido, sarcasmo, ironia, faz trocadilhos. A criança pode ter um caderno para anotar exemplos e significados alternativos, e colecionar charges e desenhar cenas que mostram a interpretação literal. Os Diálogos de Gibi, de Carol Gray, são ótimos para explorar os aspectos da linguagem do dia-a-dia. Quando um erro for cometido, sempre explique as intenções ocultas ou o significado real do que foi dito. Isto ocorreu com uma adolescente SA, que ao atender o telefone lhe perguntaram, ‘O Paul está?’. Como o Paul não estava na mesma sala, ela respondeu, ‘Não’ e desligou. Nesse momento, a pessoa que fez o telefonema, consciente da natureza da garota em fazer interpretações literais, ligou novamente e solicitou que ela procurasse o Paul e pedisse que ele atendesse ao telefone.

Prosódia ou Melodia da Fala

Durante uma conversação mudamos o tom ou volume da voz para dar ênfase a certas palavras chaves ou indicar determinada emoção. Quando escutamos alguém com SA falando percebe-se que não há variação na entonação, entonação e ritmo, ou na melodia da fala (Fine et al. 1991). Pode não haver modulação, e a fala parece monótona, chata ou pode haver uma dicção precisa demais com tonicidade em cada sílaba. Às vezes ocorrem mudanças estranhas, como as descrita por Donna Williams:

Normalmente eu variava os sotaques e entonação e a maneira como descrevia as coisas. Algumas vezes meu sotaque era bem polido e refinado. Em outras ocasiões falava com se tivesse sido nascida e criada na favela. Às vezes minha entonação soava normal, outras vezes era profunda, como se eu estivesse fazendo uma personificação do Elvis. Quando ficava excitada ficava com voz de Mickey Mouse sendo atropelado por um rolo compressor – aguda e sem modulação. (1995,pp.74-75)

O sotaque da criança Asperger pode não parecer com o sotaque das outras crianças da região, às vezes permanecendo com o mesmo sotaque da mãe (Baron-Cohen & Staunton 1994). Geralmente se espera que o sotaque da criança acompanhe o sotaque dos colegas de classe. Isto se torna mais evidente quando a família se muda para uma área onde o sotaque é diferente. A criança Asperger está menos inclinada a modificar seu sotaque para se parecer com as outras crianças locais. Algumas vezes o sotaque da criança Asperger pode ser bem parecido com o dos personagens de seu programa de TV favorito. Podem perguntar aos pais por que seu filho(a) possui um sotaque americano (talvez a criança assista à Vila Sésamo), ou as pessoas supõem que a família da criança imigrou dos Estados Unidos recentemente. Uma vez que a criança escuta uma determinada palavra ou frase, o enunciado original será utilizado dali por diante, de modo que um observador atento conseguirá identificar o sotaque de quem está sendo imitado.

Se o tom de voz da criança for monótono, e considerado cansativo ou estranho (como acontece com a voz do Mr. Bean), um fonoaudiólogo ou professor de teatro podem dar dicas de como melhorar a prosódia, utilizando técnicas desenvolvidas por atores para modificar seu sotaque, tom e ênfase.
A criança Asperger também pode apresentar dificuldade em entender a relevância da mudança de tom de voz, inflexão ou ênfase em certas palavras quando estão escutando outras pessoas falarem. Essas mudanças sutis são extremamente importantes para identificar significados diferentes. O seguinte exemplo foi retirado do livro de Andrew Matthews, Fazendo Amigos, (1990, p.129) e ilustra como o significado muda quando a ênfase é colocada em palavras diferentes:

Eu não disse que ela roubou me dinheiro [mas alguém disse].
Eu não disse que ela roubou meu dinheiro [ eu realmente não disse isso].
Eu não disse que ela roubou meu dinheiro [mas deixei implícito].
Eu não disse que ela roubou meu dinheiro [ mas alguém roubou].
Eu não disse que ela roubou meu dinheiro [ mas algo ela fez com ele].
Eu não disse que ela roubou meu dinheiro [ ela roubou o de outra pessoa].
Eu não disse que ela roubou meu dinheiro [ ela levou outra coisa].

Há oito significados diferentes sem modificar uma única palavra. Dramatizações e exercícios podem ser utilizados para explicar como e por que a ênfase muda. Por exemplo, Sue Roffey recomenda o jogo, ‘Atrás da Tela’. Uma criança fica por trás de uma tela e recebe uma lista de adjetivos ou advérbios. Pede-se para que ela conte de 0 a 10 detrás da tela da forma do adjetivo ou advérbio. O resto do grupo tenta adivinhar qual é a palavra. Uma alternativa para este jogo seria uma conversação tonal. Trabalhando aos pares, uma criança inicia um diálogo ou lê um script num determinado tom de voz, e seu parceiro responde no mesmo tom de voz.

Discurso Pedante
Durante a adolescência, o diálogo pode parecer pedante ou formal demais (Kerbeshian, Burd and Fisher 1990, Ghaziuddin & Gerstein 1996). Por exemplo, um adolescente Asperger estava ajudando o pai, um servente, quando o mesmo o pediu que esvaziasse as lixeiras. Algum tempo depois, o pai ficou intrigado pois várias lixeiras continuavam cheias. Quando perguntou ao filho por que ele não havia esvaziado aquelas lixeiras, ele respondeu, ‘Essas aí não são lixeiras, são cestos’. O adolescente estava sendo claramente pedante, fazendo uma interpretação literal do pedido de seu pai. No entanto, esta característica pode ser irritante para ambas as partes, como no exemplo do jovem rapaz nos Estados Unidos que era fascinado pelo potencial de velocidade máxima de diferentes tipos de veículos e o limite de velocidade em vários países. A conversa com um visitante da Austrália fluía muito bem, até que o visitante mencionou a importância de conservar um limite de velocidade baixo para economizar petróleo. De repente, o rapaz ficou agitado, dizendo com veemência que a palavra é ‘gasolina’ e não ‘petróleo’. (1)
 

As palavras escolhidas podem ser bastante formais, como no exemplo de uma garotinha de cinco anos, que quando foi apanhada no colégio pela irmã mais velha perguntou, ‘A minha mãe está em casa?’. Ao que a irmã respondeu, ‘Não, a mamãe não chegou ainda’. A família utiliza a palavra ‘mamãe’, mas a garota Asperger utilizou uma maneira mais formal de referir-se à mãe. A criança SA pode chamar outras pessoas pelo nome completo – ao invés de falar, ‘Olá, Mary’, ela pode dizer, ‘Olá Mary Smith.’ As vezes, a escolha de palavras parece mais apropriada para um adulto, e parece realmente que estamos conversando com um adulto, e não uma criança.

(1) Na Inglaterra e na Austrália é comum utilizar a palavra ‘petróleo’ para designar ‘gasolina’.


A escolha de frases e estilo é assimilada dos adultos, que representam uma influência maior no desenvolvimento dos padrões da fala, do que outras crianças. As abstrações e a falta de precisão raramente são toleradas, e aprende-se a evitar palavras como talvez, as vezes ou depois. Por exemplo, veja o que explica o autor do seguinte texto:

A vida é tão difícil; indecisão a respeito de coisas que outras pessoas referem como sendo resultados triviais, numa quantidade grande de stress. Por exemplo, se em casa alguém diz, ‘Talvez a gente vá às compras amanhã’, essa pessoa pode não perceber que a incerteza causa stress, e que eu fico pensando, de modo cognitivo, o que pode ou não ocorrer. A indecisão sobre eventos se estende a indecisão a respeito de outras coisas, como por exemplo, onde objetos devem ser postos e encontrados e o que as pessoas esperam de mim. (Jolliffe et al. 1992, p.16) .

As vezes a criança SA bombardeia a pessoa com perguntas, visando ter a certeza de quando determinado evento irá ocorrer. Para evitarem a ambigüidade e tornarem-se mais precisos, os pais tendem a ficar pedantes como a criança.

O Uso Idiossincrático das Palavras

A criança Asperger parece ter a habilidade de inventar palavras (ou neologismo), ou é original ou idiossincrática no uso da linguagem (Tantam 1991; Volden & Loud 1991). Uma criança SA criou a palavra ‘snook’ para descrever um floco de chocolate num bloco de gelo, e a palavra ‘clink’ para um ímã. Perguntaram a uma outra criança SA por que ele não demonstrava interesse em seu irmão bebê , ao que ele respondeu, ‘Ele não fala, não anda – ele está quebrado’. Quando estava desarrumando o seu quarto, uma outra criança disse que estava ‘tidying down’(“arrumando para baixo”, em inglês) o oposto de ‘tidying up’(arrumar “arrumar para cima”). Outro exemplo, é o de uma garota que descreveu seu tornozelo como sendo ‘o pulso do meu pé’, e cubos de gelo como ‘ossos de água’.

Algumas vezes o som ou o significado de uma palavra em particular causa risos ou gargalhadas. O humor é idiossincrático para a criança, mas pode ser intrigante para os pais ou professores. Essa habilidade de fornecer uma perspectiva original da linguagem é fascinante, e um dos aspectos admiráveis e genuinamente criativos da Síndrome de Asperger. Talvez a criança possa receber um prêmio por produzir uma palavra, frase ou descrição nova, e pode-se permitir que ela utilize esta palavra ou frase quando ela escrever um livro de estória.

Vocalização dos Pensamentos

Uma característica comum a crianças jovens é a de vocalizar seus pensamentos quando estão brincando sozinhas ou num grupo. Quando começam a estudar elas aprendem que não devem pensar alto. Para a maioria das pessoas, falar sozinho em público é considerado um sinal de desequilíbrio mental. A criança SA pode continuar a vocalizar seus pensamentos durante muitos anos, em uma idade onde isso não mais é esperado. Normalmente, esse tipo de conduta distrai outras crianças em sala de aula, ou então provoca gozações quando outras crianças percebem que a criança SA está falando sozinha na hora do recreio. As vezes a criança SA pode não escutar o que o professor diz em sala de aula, por estar distraída com sua própria vocalização. Pode haver vários motivos para esse tipo de comportamento. A criança pode não ser influenciada pelos colegas para se manter calada e não demonstrar preocupação em parecer diferente. A vocalização também pode ter um propósito construtivo ou de segurança. Por exemplo, um SA descreveu que ‘falando só me ajuda a pensar e a praticar como expressar melhor as minhas idéias’, um outro disse:

Eu gosto de ouvir a minha voz porque me ajuda a não me sentir sozinho. Também receio que se eu não falar, eu posso perder a minha voz. Eu não falava antes dos cinco anos, sabe. (Dewey 1991, p. 204).

Um outro motivo para esse tipo de comportamento é que a pessoa pode estar ensaiando um provável diálogo ou repetindo um diálogo para tentar compreendê-lo.

É importante descobrir por que a pessoa está falando sozinha. Pode ser simplesmente um atraso no desenvolvimento, uma maneira de organizar as idéias ou para sentir-se segura. Se este aspecto da linguagem se tornar um problema, a criança deve ser encorajada a sussurrar ao invés de falar alto e ‘pensar e não falar’ quando próximo à outras pessoas. Alguns adultos Aspergers tendem a mover os lábios quando estão pensando.

Discriminação e Distorção Auditiva

Várias autobiografias de portadores de SA descrevem a dificuldade que eles têm em concentrar-se na fala de uma única pessoa quando várias outras estão falando, e a percepção distorcida de sua própria fala. Uma criança SA estava numa sala onde dois exames estavam sendo lidos para dois grupos distintos, um teste era de matemática e o outro de português. A professora da criança SA notou que ela havia colocado a resposta para ambos os testes, apesar de estar no grupo do teste de português. Candy descreve como ‘muitas vozes dificulta o entendimento’, a criança pode ficar bastante confusa quando várias pessoas falam ao mesmo tempo, especialmente se for a respeito do mesmo assunto, como ocorre numa sala de aula.

A distorção da fala é descrita por Darren White (White & White 1987):

As vezes eu conseguia entender as primeiras duas ou três palavras, depois o restante das palavras pareciam se aglomerar e eu não conseguia entender mais nada. (p. 224)

Normalmente eu era atrasado na escola porque meus ouvidos distorciam as instruções da professora e meus olhos borravam, impedindo que eu enxergasse o que estava escrito na lousa, e a professora falava ‘Daren, continue seu trabalho’. (p.225)

Donna Williams (1992) descreve como:

Qualquer coisa que eu tivesse que compreender tinha que ser decifrado como se estivesse passando por um procedimento de entrada complicado. As vezes as pessoas tinha que repetir uma determinada frase várias vezes, pois eu escutava em pedaços e minha mente não conseguia decifrar a mensagem Era como se alguém ficasse alterando o volume da T.V. (p.61)




Temple Grandin (1991) também cita:

Ainda hoje tenho problemas com meu desligamento. As vezes estou escutando minha música favorita no rádio quando percebo que já perdi metade. Minha audição se fecha repentinamente. Na faculdade eu precisava tomar anotações constantemente para não me desligar completamente. (p.61)


Se tal problema se tornar aparente, parecendo com uma ‘surdez seletiva’, é importante que um fonoaudiólogo ou otorrino examine a criança para avaliar sua capacidade de processar informações auditivas. Encorajar a criança a pedir para que repitam o que lhe foi dito, simplifiquem ou falem com outras palavras, é importante, apesar do medo que a criança tem de parecer estúpida. Um outro modo de abordar essa problemática, se há suspeita de que o que você disse não foi compreendido, é pedir para que a criança repita o que foi dito. Por exemplo, diga a criança ‘Você pode me dizer o que você deve fazer?’

Fazer uma pausa entre uma frase e outra para dar tempo da pessoa processar o que foi dito, e utilizar instruções por escrito, são técnicas que também ajudam. As vantagens dessas técnicas são explicadas pela autora da citação abaixo Jolliffe et al, 1992):

É difícil repetir e entender palavras que possuem sons semelhantes como bola e bala, fenda e venda, porta e torta, mão e não, caçar e coçar, mala e mela. Apesar da repreensão que recebo das pessoas quando cometo erros de pronuncia, elas parecem não perceber que, quando falam, pelo menos uma palavra em cada frase que é dita, fica difícil de distinguir. Depois de certo esforço eu consigo descobrir pelo contexto da frase a palavra utilizada. Quando alguém conversa comigo eu preciso prestar muita atenção, caso contrário nunca descobrirei que palavras estão sendo ditas. Na escola era mais fácil, pois eu podia ler os tópicos de antemão, as instruções também ficavam na lousa e o trabalho de classe seguia uma rotina lógica. Como estavam explicando matéria nova, os professores não falavam muito depressa e faziam pausas entre as frases, tornando mais fácil a minha compreensão. Quando leio livros esta dificuldade não ocorre pois vejo imediatamente qual o significado que as palavras têm. (p.14)
 

O autor conheceu vários adultos Aspergers que pediam para as pessoas não falarem enquanto eles estavam pensando numa resposta a ser dada, pois isto atrapalhava sua linha de raciocínio, tornando a resposta ainda mais demorada. Portanto, fica mais fácil para o Asperger compreender, se houver somente uma voz para ele se concentrar, se houver uma pausa entre cada instrução ou pergunta e se ele puder ler as informações.

Fluência Verbal

A criança Asperger pode falar bastante ou pode falar muito pouco. O entusiasmo pelo seu tópico de interesse pode levar a conversas sem sentido e que parecem não ter fim. Esse entusiasmo pode ser admirável – e ocasionalmente cansativo. A criança gosta de demonstrar seu conhecimento e fluência verbal, bem como, aprender novas informações a respeito de seu tópico de interesse. O tópico de interesse pode dominar seu diálogo, mas isto é uma expressão de sua fascinação emocional e intelectual. Talvez a criança Asperger precisará aprender a identificar os sinais de quando deverá se manter calada.

Em contrapartida, algumas crianças podem apresentar períodos de total falta de palavras, ficando caladas por muito tempo. A experiência clínica já identificou crianças SA que só conversavam com outras crianças e com seus pais, tornando-se ‘mudas’ com os adultos. Certa criança tornava-se ‘muda’ tão logo entrasse no colégio. Ainda não sabemos a causa desse comportamento, mas uma autobiografia recente pode fornecer a explicação (Jolliffe) et al. 1992):

Para mim, o ato de falar, ainda é bastante difícil e ocasionalmente impossível, ainda que tenha se tornado mais fácil ao longo dos anos. Na minha cabeça eu sei qual palavra utilizar, mas ela nem sempre consegue sair. Algumas vezes quando as palavras saem, elas estão incorretas, um fato que as vezes não me dou conta e outras pessoas chamam minha atenção para isto

Uma das coisas mais frustrantes sobre o autismo é a dificuldade em explicar o que você está sentindo; se algo machuca ou lhe assusta ou se você não se sente bem e não tem como se defender. As vezes eu tomo beta bloqueadores para reduzir os sintomas físicos do medo. Atualmente eu já consigo dizer às pessoas quando algo me assusta, mas nunca no exato momento em que está ocorrendo. Em várias ocasiões quando um estranho pergunta qual o meu nome, eu não consigo me lembrar, mas quando estou mais relaxada consigo me lembrar de fórmulas e números telefônicos após tê-los escutado uma única vez. Quando fico extremamente assustado com algo ou alguém, ou quando estou sentindo dor, consigo fazer movimentos e um barulho, mas as palavras não saem de jeito nenhum. (p.14).

Portanto, não conseguir encontrar a palavra certa ou tornar-se mudo pode ser devido a níveis elevados de ansiedade. Alguns adultos SA tendem a gaguejar quando estão ansiosos. Neste caso, o problema não é estritamente uma desordem de linguagem, mas o efeito das emoções na habilidade de falar. Se esse problema tornar-se aparente, há uma série de estratégias que ajudam a pessoa SA a lidar com a ansiedade. As mesmas serão descritas num capítulo subsequente.


Breve Sumário de Estratégias para Linguagem

Pragmatismo
§ Aprender
- comentários de abertura apropriados
- a pedir ajudar ou esclarecimento

§ Encorajar confiança para admitir ‘Eu não sei’
§ Ensinar os sinais de quando responder, interromper ou mudar o tópico do diálogo
§ Modelar comentários de apoio
§ Sussurrar para a criança o que dizer para a outra pessoa
§ Utilizar atividades de dramatização para a arte de conversar
§ Utilizar Estórias Sociais ou Diálogo de Quadrinhos para uma representação verbal ou de figuras para demonstrar os diferentes níveis da comunicação

Interpretação Literal
§ Pense em como seu comentário ou instrução pode ser mal interpretado
§ Explique metáforas e figuras de linguagem

Prosódia
§ Ensine como modificar a entonação, o ritmo e a tonalidade para enfatizar palavras chaves e emoções associadas a elas

Discurso Pedante
§ Evite abstrações e falta de precisão

Palavras Idiossincráticas
§ Um aspecto genuinamente criativo da SA a ser encorajado

Vocalização de Pensamentos
§ Encoraje o SA a sussurrar e pensar, e não proferir a idéia quando próximo a outras pessoas

Discriminação e Distorção Auditiva
§ Encoraje o SA a pedir que as instruções sejam repetidas, simplificadas, parafraseadas ou escritas
§ Pause entre as instruções

Fluência Verbal
§ A ansiedade pode inibir o discurso e requerer tratamento. By Lully.

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