segunda-feira, 9 de julho de 2012

O Sócio - Interacionismo de Vygotsky na educação especial

1.Introdução O presente artigo tem como objetivo discutir as contribuições da teoria Sócio-interacionista de Vygotsky para a educação especial e sua aplicação na prática do professor em sala de aula. Longe de ter a pretensão de esgotar o referido tema, são apresentadas no decorrer do texto, as principais contribuições de Vigotsky utilizadas no âmbito educacional que serviram como base em práticas no ensino de alunos com deficiência. 2.Breve histórico de Vigotsky e suas contribuições teóricas Lev Vygotsky nasceu na cidade de Orsha no império czarista russo, atual Bielorússia, em 1896. Era membro de uma família rica e culta. Formou-se em Direito e foi professor e pesquisador nas áreas de Pedagogia, Psicologia, Filosofia, Literatura e Deficiência física e mental. Teve uma vida curta, morrendo de tuberculose aos 37 anos de idade. Para se ter uma melhor interpretação da obra de Vygotsky é preciso entender que suas teorias foram construídas no período da revolução russa, o que, levando em consideração o contexto que Vygotsky viveu, acabou por ter sua obra influenciada pelo marxismo. Segundo Vygotsky (1989), a cultura se integra ao homem pela atividade cerebral, estimulada pela interação entre parceiros sociais, mediada pela linguagem. A linguagem torna o animal homem verdadeiramente humano. O autor afirma que o mundo psíquico não é inato, mas também não é “recebido” como um pacote pronto. O que caracteriza o funcionamento psicológico do ser humano é o que, segundo Kohl (1992), Vygotsky nomeia de Planos Genéticos de Desenvolvimento chama de Planos Genéticos de Desenvolvimento, que são eles: Filogênese, Ontogênese, Sociogênese e Microgênese. Desta forma: [...] o comportamento do homem é formado pelas peculiaridades e condições biológicas e sociais do seu crescimento. O fator biológico determina a base, o fundamento das reações inatas, e o organismo não tem condições de sair dos limites desse fundamento, sobre o qual se erige um sistema de reações adquiridas (VYGOTSKY, 2001, p. 63). Todas as espécies têm uma história própria e todas elas definem uma história. Existem coisas que somos capazes de realizar e outras que não somos, por exemplo: somos bípedes, temos nossas mãos liberadas, estas, possuem uma forma que permite movimentos finos, enfim, a nossa espécie é a menos “pronta” ao nascer, por isso, temos o cérebro tão flexível. Intimamente ligado à Filogênese temos a Ontogênese, que diz respeito ao desenvolvimento do ser, a pertinência do homem à espécie, como uma criança da nossa espécie que aprende a sentar, engatinhar, andar, etc. A história da cultura onde o sujeito está inserido, diz respeito à sociogênese, mas essa história são as mudanças culturais que interferem no desenvolvimento psicológico, portanto, a cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas. Na microgênese, podemos ter um olhar “micro” para um fenômeno, o como se aprende, a porta aberta para o não determinismo. Desta forma Rogoff (2005) nos explica que: [...] o desenvolvimento ontogenético que acontece no decorrer da vida do indivíduo, por exemplo, durante os anos da infância – simplesmente um quadro de tempo diferente dos outros níveis de desenvolvimento. O desenvolvimento filogenético é a história da espécie, em processo lento de mudança, que deixa um legado para o indivíduo na forma de genes, transformando-se com o passar dos séculos e milênios. O desenvolvimento cultural-histórico muda no decorrer de décadas e séculos, deixando um legado na forma de tecnologias simbólicas e materiais (tais como alfabetização, sistemas numéricos e computadores) bem como sistema de valores; escrita e normas culturais; o desenvolvimento microgenético é a aprendizagem que os indivíduos vivenciam a cada momento em contextos determinados, a partir da formação genética e cultural-histórica do indivíduo (p. 63). Dentre as idéias de Vygotsky, a mediação simbólica, que é a relação do homem com o mundo, pode ser feita através de instrumentos e signos (VYGOTSKY, 1989). É exclusivamente humano, por exemplo, pensar no que já aconteceu e no que pode acontecer. Grande parte da ação do homem no mundo é mediada pela experiência dos outros. Na ausência de um sistema de signos, lingüísticos ou não, somente o tipo de comunicação mais primitivo e limitado, torna-se possível. Os signos são construídos culturalmente, sendo a “língua” o lugar onde ocorre esta construção. Vygotsky não se refere a qualquer linguagem, mas sim a fala, o discurso. A primeira função da linguagem é a comunicação, a segunda é o pensamento generalizante e é nesta função que pensamento e linguagem se unem. O homem é capaz de abstrair, de classificar, de generalizar e isto é possível por causa do sistema simbólico articulado e organizado, portanto é o significado um fenômeno do pensamento, o pensamento e a linguagem definem o funcionamento psicológico humano (VYGOTSKY, 1989). A invenção e uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento ao trabalho (VYGOTSKY, 1988, p. 70). A relação do pensamento e da palavra é um movimento contínuo. É através de palavras que o pensamento passa a existir. A criança nasce num meio falante e para Vygotsky o primeiro uso da linguagem é a fala socializada, função comunicativa, o mais desenvolvido seria o discurso interior. Segundo Vygotsky (1982), por volta dos três, quatro anos de idade, a criança fala sozinha, sem precisar de interlocutor, é o que se chama de fala egocêntrica, uma fala que a criança utiliza para ajudá-la a resolver um problema (VYGOTSKY, 1989). O desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem de fora para dentro, exatamente pela teoria defendida por Vigotsky de que é porque o sujeito aprende que ele se desenvolve, por causa da cultura. Conforme Vygotsky apud Kohl (1992), o brinquedo e a brincadeira, são importantes para a criança porque é na brincadeira que a criança trás as regras da vida adulta, vivenciando-as, e modificando-as (VYGOTSKY, 1988). Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas (VYGOTSKY 1989b, p. 114). Desta forma, o autor entende que o desenvolvimento deve ser olhado de forma prospectiva, para aquilo que ainda não aconteceu. E a isto Vygotsky denomina de Zona de Desenvolvimento Proximal, que pode ser: [...] a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1984, p. 112) Ou seja, diz respeito a todo o potencial de conhecimento que pode ser adquirido pelo individuo na relação entre o conhecimento prévio e a sua interação social, baseado em uma interação dialética, porque existe o nível de desenvolvimento real, que significa o olhar retrospectivo e o nível de desenvolvimento potencial, o que significa estar próximo a acontecer. A zona de desenvolvimento proximal define funções que amadurecerão, não como um conceito instrumental, não pode medir, identificar, mas ajuda a nortear, entender o desenvolvimento numa criança. 3. O ensino de alunos com necessidades especiais a partir de uma visão sócio – interacionista. Uma das principais contribuições de Vygotsky aos estudos da aprendizagem é a idéia de que o individuo não necessariamente precisaria passar por um processo de maturação ou atingir certa idade para assimilar certos conhecimentos. Na teoria vigotskiana, esses conhecimentos podem ser adquiridos mais rapidamente ou mais tardiamente, dependendo das relações desses indivíduos com o meio em que vivem. Porque na escola a criança não aprende a fazer o que é capaz de realizar por si mesma, senão a fazer aquilo que é ainda incapaz de realizar, porém que está ao seu alcance em colaboração com o professor e sob sua direção. O fundamental na instrução é precisamente o novo que aprende a criança. Por isso, a zona de desenvolvimento proximal, que determina o campo das gradações que estão ao alcance da criança, resulta ser o aspecto mais determinante no que se refere ao ensino e ao desenvolvimento (VYGOTSKY, 1984, p.241). Entretanto, historicamente as pessoas com algum tipo de deficiência foram tratadas comumente como pessoas menos capazes do que aquelas “ditas normais”. Isto acontece porque segundo Sawaya (2001, p.8) A sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico. Para Olivier, (op. Cit.) Apud Diniz (2007) todas as pessoas com deficiência tendem a experimentá-la como uma restrição social, sendo as restrições principais as que ocorrem pela falta de acessibilidade em determinados ambientes, pelos questionamentos acerca da capacidade cognitiva e competência social do indivíduo, do pouco conhecimento da população em geral em utilizar a linguagem de sinais e o Braille. Este problema acontece porque, comumente não é reconhecida a complexidade humana, na sua diferença e diversidade. Desta forma, expressões, manifestações, formas de padronização de referências de normalidade, nega-se a diferença, a identidade do sujeito desviante, utilizada pelo próprio sistema para manter a ordem social. (VYGOTSKY, 1984). Isto pode ser entendido ao se perceber que o homem atual, do ponto vista biológico é basicamente o mesmo que o de séculos atrás. Porém do ponto de vista cultural, a cada geração os seres humanos vão se apropriando do que a sua geração anterior produziu, fazendo com que cada novo ciclo geracional se desenvolva e evolua. Dessa forma, o primeiro desenvolvimento está na ordem social do individuo no seu processo de aprendizagem, enquanto que o problema de desenvolvimento que as pessoas com deficiência sofrem acontece num processo que Vygotsky chamava de “Menos valia”. Onde não é um déficit orgânico a falta de um membro ou de um sentido que fará com que aquele indivíduo seja deficiente, mas sim a deficiência que é produzida socialmente. Um significado de que ele não irá conseguir estabelecer as relações sociais que os ditos normais conseguem, onde ao se restringir a socialização dessas pessoas é que se inicia então a produção social da deficiência (VYGOTSKY, 1988). Ou seja, o “grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência” (ARAÚJO, 2003, p. 24). Ferreira e Guimarães (2003, p.70) exemplificam muito bem esta idéia: Pior que o desgaste é o constrangimento, causado por atitudes preconceituosas travestidas de excesso de zelo, como, por exemplo, a de impedir publicamente a curiosidade infantil a respeito de uma bengala ou uma cadeira de rodas. Essas e muitas outras atitudes deixam clara a “discriminação” como peso social que não só a pessoa com deficiência, mas toda a sociedade é “fadada a carregar”. Porém, o que muitos não conseguem perceber é que a pessoa com deficiência também se desenvolve, mesmo que não aconteça em padrões iguais dos “ditos normais”. Vygotsky (1984) explica que o aprendizado é produzido socialmente, ou seja, o aprendizado se dá nas interações sociais, portanto, o processo de significação do sujeito é produzido no contexto social. Isso quer dizer que não é o sujeito que internaliza passivamente o que a sociedade produz, mas ele lança sentidos sobre o que a sociedade produz nesse processo de internalização. Esse é um elemento importante, pois logo quando ele internaliza, está aprendendo, e esse aprendizado, que é uma apropriação daquilo que a sociedade produz, faz com que ele chegue a um processo de desenvolvimento cada vez mais elaborado. Bock et al (1999) corroboram com as idéias de Vygotsky quando afirmam que: Em todas essas atividades está o “outro”. Parceiro de todas as horas, é ele que lhe diz o nome das coisas, a forma certa de se comportar; é ele que lhe explica o mundo, que lhe responde aos “porquês”, enfim, é seu grande intérprete do mundo. A atividade externa se internaliza possibilitando o desenvolvimento das funções psíquicas superiores. (p. 124). Ainda segundo o autor, a escola surge como o espaço privilegiado para que este processo de aprendizagem e consequente desenvolvimento ocorram, já que ela oferece o ambiente singular na interação com os adultos e com colegas. Concordando com esta idéia, Bishop et al (1999) explicam que: [...] as amizades servem para aumentar uma variedade de habilidades comunicativas, cognitivas e sociais, assim como para proporcionar às crianças proteção, apoio e uma sensação de bem-estar. As amizades desenvolvidas na infância são a base para os relacionamentos formais, informais e íntimos na idade adulta (BISHOP et al, 1999, p.184). Para Vygotsky, estudar como o sujeito forma os conceitos constituiu boa parte da sua obra, o que posteriormente serviu de grande contribuição aos educadores, na medida em que ele entende que: O aprendizado escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais. Os conceitos científicos, com seu sistema hierárquico de inter-relações, parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras áreas do pensamento. A consciência reflexiva chega à criança através dos portais dos conhecimentos científicos (VYGOTSKY, 1989, p.115). Em seus estudos Stainback e Stainback (1999) observaram escolas que estavam sendo bem sucedidas no processo de inclusão e perceberam que estas instituições tinham como pré-requisito garantir a socialização dos alunos com deficiência com os professores e colegas, de forma a desenvolver amizades e relacionamentos, como é explicado pelos autores: Para esses alunos, o enfoque em objetivos curriculares pré-definidos foi posto de lado até que a aceitação e as amizades fossem desenvolvidas, embora grandes esforços fossem feitos para mantê-los ativamente envolvidos com seus colegas, através das atividades de aula relacionadas. Esses alunos eram em geral incluídos ou envolvidos no que seus colegas estavam fazendo durante as aulas, mesmo que os benefícios em longo prazo nem sempre fossem imediatamente claros. Serem aceitos, bem-vindos e sentirem-se seguros com seus colegas em um ambiente de aprendizagem eram considerados pré-requisitos para o sucesso posterior dos alunos nas tarefas de aprendizagem. Pouco a pouco, à medida que os alunos foram sendo aceitos, eles se envolveram nas atividades da turma de forma a alcançar os objetivos da vida diária, os objetivos acadêmicos e os vocacionais. (STAINBACK E STAINBACK, 1999, p. 234-235) 4. Concluindo sem terminar Vygotsky defendia a idéia de que, mais que o indivíduo agir, é preciso interagir. Pela sua vasta produção acadêmica mais impressionante se levarmos em conta sua vida breve, o autor atrai os especialistas em educação com sua obra acessível, que valoriza as relações sociais na intervenção pedagógica e, portanto, o papel do educador. Atualmente passamos pelo processo de inclusão, tanto social quanto educacional. Desta forma, as idéias de Vygotsky continuam vivas e ainda fortes, pela sua importância como balizadora da intervenção pedagógica, da cultura, do outro social, que são essenciais para proporcionar experiências de aprendizagem que conduzem a criança ao desenvolvimento significativo em diversas áreas. Bibliografia Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David. Pessoa Portadora de Deficiência: A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. 3 ed. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa com Deficiência – CORDE, 2003. p. 128. BISHOP, Kathryn D., JUBALA, Kimberlee A. STAINBACK, Susan. STAINBACK, William. Promovendo amizades. In: STAINBACK, S. STAINBACK, W. Inclusão: Um Guia para Educadores. Ed. Artmed (Tradução Magda França Lopes) Porto Alegre, Artes Médicas Sul, 1999 BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: Uma introdução ao estudo da psicologia. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999 DINIZ, Debora. 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