segunda-feira, 9 de julho de 2012

O LÚDICO: RECURSO DIDÁTICO

INTRODUÇÃO Aceitamos como princípio que o lúdico serve para educar a criança, contribuindo no processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral, visando à sua melhor integração individual e social. Quando observamos crianças brincando, jogando, cantando, interpretando, etc. percebemos claramente o momento de prazer que se constitui nessas atividades. Entendemos que o lúdico, é o ambiente natural em que os indivíduos, mais especificamente as crianças, constroem seus conhecimentos, seus valores, suas habilidades num contato mais direto com o mundo, proporcionará mais alegria para a realização das atividades desempenhadas. A pesquisa de caráter bibliográfico, tenta resgatar a evolução histórica desta problemática, tomando como base o livro Homo Ludens de Huizinga, e percorrendo, mesma que sumariamente, os autores modernos e contemporâneos mais destacados no assunto. Assim, Montaigne, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Montessori, Piaget, Ariés, Kishimoto, entre outros, nos proporcionaram um embasamento teórico para as análises e reflexões sobre o lúdico. Compreendemos que este tema é bastante amplo, não podendo ainda ser estudado mais minuciosamente, mas cujas primeiras dúvidas e curiosidades estão sendo esclarecidas para que futuramente possamos compreendê-lo e esclarecê-lo melhor um tema tão significativo e que está ligado diretamente ao dia-a-dia da sociedade brasileira. O LÚDICO COMO ATITUDE PARA A APRENDIZAGEM A ludicidade exige uma atitude, o que não se adquire apenas com a aquisição de conceitos, de conhecimentos, embora estes sejam muito importantes. Uma fundamentação teórica consistente dá o suporte necessário ao professor para o entendimento dos porquês de seu trabalho. Conforme ROUSSEAU, (2004, p.175) “a instrução das crianças é uma profissão que é preciso saber perder tempo para poder ganhá-lo”. A ludicidade é assunto que tem conquistado espaço no panorama nacional, principalmente na educação infantil, por ser o brinquedo a essência da infância e seu uso permitirem (sic) um trabalho pedagógico que possibilita a produção do conhecimento, da aprendizagem e do desenvolvimento (MAURICIO, 2010). Jogos educativos podem facilitar o processo de ensino-aprendizagem e ainda serem prazerosos, interessantes e desafiantes. O jogo pode ser um ótimo recurso didático ou estratégia de ensino para os educadores e também ser um rico instrumento para a construção do conhecimento. Andrea A. Sauer, em sua dissertação de mestrado confirma a necessidade do brincar para a criança, bem como a predisposição do educador nas atividades trabalhadas na escola. É consenso, entre teóricos e educadores (v.g. Vygotsky, Piaget etc.) que brincar é uma necessidade da criança. Por isso, tem-se como fundamental que o desenvolvimento e a aprendizagem da criança pré-escolar, devem ser alcançados utilizando-se os jogos infantis, de modo intencional, na prática pedagógica. Todavia tomamos como hipótese que o uso dos jogos infantis na prática pedagógica dependerá da formação dos professores, de sua concepção de educação pré-escolar, infância e criança, brincar e trabalhar e da concepção de educação pré-escolar, constante do projeto pedagógico da instituição (SAUER, 2002, p. XX) O conceito de lúdico como atitude para facilitação da aprendizagem começou a se desenvolver aqui no Brasil por volta dos anos 30. Referindo-se à Escola Nova, Kishimoto, (2009) lembra vários renomados autores da época que já manifestavam interesse em desenvolver o lúdico, o jogo, a prática recreativa como recurso metodológico relevante para a melhoria e desenvolvimento da qualidade da aprendizagem. A análise de eventos ocorridos em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, os principais centros disseminadores do escolanovismo, poderá ser um bom exemplo de como o jogo educativo penetra no interior das instituições infantis. O centro educativo de Minas Gerais foi estimulado por personalidades como Helena Antipof, convidada especialmente pelo governo mineiro para criar a Escola de Aperfeiçoamento de Professores, em 1928. Discípula de Claparède, levou para Minas Gerais a experiência junto a renomadas personalidades do escolanovismo europeu, como Claparèd, Bovet, Piaget, e instalou uma réplica da instituição infantil, a “Maison dês Petis”, do Instituto Jean-Jaques Rousseau, da qual foi professora, anexo ao centro de formação de professores. O Brasil teve oportunidade de conhecer, pelo trabalho de Antipof, importantes personalidades. Entre elas, eminentes representantes da psicologia como Mira y Lopes, Claparèd, André Reys, Pierre Janet, Pierre Bovet, Pieron e outros que ajudaram a difundir novos estudos na área da psicologia infantil, inclusive sobre o jogo (KISHIMOTO, 2009, p. 104-105). No contexto histórico da Escola Nova no Brasil, educadores como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, entre outros, enfrentaram grandes dificuldades, pois nessa época vivenciava-se o Estado Novo de Getúlio Vargas. A educação no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, ainda era marcada pela tradição escolástica, sem contar os acontecimentos no mundo, dentre os quais o período entre guerras. Em meio a esse movimento de transformação, um marco importante para a educação infantil foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova que, escrito por Fernando de Azevedo e assinado por vinte e seis outras personalidades de destaque da cultura e educação nacional, propunha que a educação não se restringisse à escola, mas fosse presente em todo o contexto social. Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade. No entanto, se depois de 43 anos de regime republicano, se der um balanço ao estado atual da educação pública, no Brasil, se verificará que, dissociadas sempre as reformas econômicas e educacionais, que era indispensável entrelaçar e encadear, dirigindo-as no mesmo sentido, todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. A situação atual, criada pela sucessão periódica de reformas parciais e freqüentemente arbitrárias, lançadas sem solidez econômica e sem uma visão global do problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão desoladora de construções isoladas, algumas já em ruína, outras abandonadas em seus alicerces, e as melhores, ainda não em termos de serem despojadas de seus andaimes... (MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO apud SÁNCHEZ, 2007, p. 189). Para esse grupo, os “brinquedos educativos” tinham seu valor pelo poder de desenvolver hábitos e não pela conquista do conteúdo escolar. Esta era a concepção dos escolanovistas ao conceber a infância enquanto época de crescimento. Neste sentido. A criança procura o jogo como uma necessidade e não como distração (...). É pelo jogo que a criança se revela. As suas inclinações boas ou más, a sua vocação, as suas habilidades, o seu caráter, tudo que ela traz latente no seu eu em formação, torna-se visível pelo jogo e pelos brinquedos, que ela executa (GONZAGA JÚNIOR apud KISHIMOTO, 2009, p. 106). Precisamos ter em conta que educar é papel principal e fundamental da família, cabendo a ela o direito de transmitir suas crenças, seus valores, seus costumes. Partindo desse pressuposto, podemos concluir que, na educação infantil, o jogo, servindo principalmente para educar, deve ter em conta a prioridade da família nesse aspecto. O jogo deve ser usado também, quando aplicado de forma adequada, para ensinar. Já quando as crianças vão para a escola propriamente dita, devem desenvolver atividades que lhes permitam desenvolver a escrita, a leitura e o raciocínio lógico. Para isso, o jogo e a brincadeira poderão ser utilizados, sabendo que para esta finalidade o conhecimento das técnicas adequadas por parte dos professores deve ser mais aprimorado. Alguns pais ao serem questionados sobre o papel da escola respondem diretamente que a escola tem o papel de ensinar os seus filhos a ler e escrever, não a brincar. Entretanto, a introdução dos jogos na escola primária não era bem vista. A ojeriza dos pais pelo jogo desnudou conflitos apontados também por Fagundes, como o de que os pais não enviavam os filhos à escola para brincarem. Predominava nessa época, especialmente nas escolas públicas, o hábito de utilizar jogos de uma forma bastante diretiva para o ensino de conteúdos escolares (PASTOR apud KISHIMOTO, 2009, p. 107). Parece ficar claro que os jogos e brincadeiras, assim como a forma de utilizá-los, no período da educação infantil, isto é, até os seis anos, têm características muito diferentes dos jogos e brincadeiras e a forma de utilizá-los na escola, isto é, no ensino fundamental, com crianças entre 6 e 14 anos. Observemos dados de uma pesquisa realizada no ano de 1934, em São Paulo, com crianças da escola primária, por alunos da professora Noemy Silveira Rudolfer, em colaboração com o Laboratório de Psicologia da Universidade de São Paulo Entre as várias informações coletadas por ambos estudos, destacam-se jogos de faz de conta como tipicamente femininos: 262 meninas e 6 meninos brincavam de casinha (crianças paulistas) e 533 meninas e 1 menino preferiam brincar de boneca (crianças mineiras). Os estudos indicaram valores ocultos, de discriminação sexual nas preferências dos jogos. A ausência total do sexo masculino nos jogos de faz-de-conta (brinquedos de boneca, jogos de imitação familiares como mamãe e filhinha, fazer comida, etc.); e, em contraposição, a ausência do sexo feminino em brincadeiras como carros, trens e automóveis. Mesmo nos jogos motores como bola, havia maciça predominância dos meninos e pouca expressão do sexo feminino (HALLIER & MACEDO apud KISHIMOTO, 2009, p. 105). O JOGO AUXILIA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A primeira tentativa de inserir a arte na educação: “a tendência para inovação pedagógica é antiga. Educadores como Erasmo, Vives e Montaigne, na Renascença; Pestalozzi e Froebel, no século XVIII; e muitos outros, são exemplos dessa tendência” (KISHIMOTO, 2009, p. 103-104). Diferentemente do mundo medieval, esse momento histórico, o momento do Renascimento, se destaca pela valorização da criança. Baseado em uma nova concepção de homem, Erasmo projeta na criança a possibilidade de reorganizar a ordem social e reestruturar a forma de produzir as relações pertencentes a essa ordem. Para Erasmo, a fase da infância é o momento mais apropriado para educar o ser humano, pois que o vigor do espírito lhe é acentuado, favorecendo, assim, as mudanças de valores e de comportamentos. Podemos verificar essa concepção na fala de Erasmo (1972) sobre a criança: Todos sabem que a infância é a idade mais alegre e agradável. Mas, que é que torna os meninos tão amados? Que é que nos leva a beijá-los, abraçá-los e amá-los com tanta afeição? Ao ver esses pequenos inocentes, até um inimigo se enternece e os socorre. Qual é a causa disso? É a natureza, que, procedendo com sabedoria, deu às crianças um certo ar de loucura, pelo qual elas obtêm a redução dos castigos dos seus educadores e se tornam merecedoras do afeto de quem as tem ao seu cuidado. Ama-se a primeira juventude que se sucede à infância, sente-se prazer em ser-lhe útil, iniciá-la, socorrê-la. Mas, de quem recebe a meninice os seus atrativos? De quem, senão de mim, que lhe concedo a graça de ser amalucada e, por conseguinte, de gozar e de brincar? (ERASMO, 1972, pp. 23-24) Mesmo um tanto contraditória, não deixa de ser interessante a opinião de Montaigne (1980) falando “da afeição dos pais pelos filhos” no segundo livro dos Ensaios, criticando o “despudor” com que os adultos tratavam as crianças: Não posso conceber essa paixão que faz com que as pessoas beijem as crianças recém-nascidas, que não tem ainda nem movimento na alma, nem forma reconhecível no corpo pela qual se possam tornar amáveis, (...) Uma afeição sincera e justificável deveria nascer do conhecimento que nos dão de si e com esse conhecimento crescer, a fim de que então, se o merecerem, e desenvolvendo-se de par em par com o bom senso essa disposição para as amar, cheguemos a uma afeição realmente paternal (...) em geral sentimo-nos mais comovidos com os trejeitos, os folguedos e as bobagens das crianças do que mais tarde com seus atos conscientes, e é como se delas gostássemos à maneira de símios e não de homens. Há quem as encha então de brinquedos e se neguem, quando já grandes, a efetuar a menor despesa em seu benefício. (MONTAIGNE,1980, pp. 182-183) Só ao longo do século XVIII, a criança, começa a ser percebida cada vez mais como um ser com características diferentes do adulto, e com necessidades especificas a essa etapa de vida. Com isso, “a formação do homem faz-se com muita facilidade na primeira idade, não pode fazer-se senão nessa idade” COMENIO (1985). Sabemos que as crianças também aprendem por imitação e que cada ação concebida pelos adultos influenciará no seu futuro. ... É evidente que é semelhante a condição do homem e a da árvore. Efetivamente, da mesma maneira que uma árvore de fruto (...) pode crescer por si e por sua própria virtude, mas, sendo brava, produz frutos bravos, e para dar frutos bons e doces tem que necessariamente ser plantada, regada e podada por um agricultor perito, assim também o homem por virtude própria cresce com feições humanas (...), se se quer que a piedade lance raízes no coração de alguém , importa plantá-la nos primeiros anos, se se quer que alguém se torne um modelo de apurada moralidade, é necessário habituá-lo aos bons costumes desde tenra idade; a quem deve fazer grandes progressos no estudo da sabedoria, importa abrir-lhe os sentidos para todas as coisas, nos primeiros anos, enquanto seu ardor é vivo, o engenho rápido e a memória tenaz (COMENIO, 1985, p. 127- 130). Rousseau teve também um papel preponderante na elaboração de uma nova concepção para a educação da criança, demonstrando que ela tem sua própria forma de ser, de pensar e de agir. No entanto, antes de poder se manifestar livremente já é como que amordaçada e impedida de se movimentar por sua própria conta. Mal a criança saiu do ventre da mãe e mal gozou da liberdade de movimentar e esticar seus membros e já lhe dão novos laços. Põem-lhe fraldas, deitam-na com a cabeça presa e com as pernas esticadas, com os braços pendentes ao lado do corpo; é envolta em panos e bandagens de toda espécie, que não lhe permitem mudar de posição. Feliz da criança se não a apertaram o ponto de impedi-la de respirar, e se tiveram a precaução de deitá-la de lado, para que as águas que deve devolver pela boca possam cair por si mesmas! Pois ela não teria a liberdade de voltar à cabeça para o lado a fim de facilitar seu escoamento (ROUSSEAU, 2004 p. 17). Ainda no século XVIII, Pestalozzi preocupou-se com a aprendizagem natural e imediata. Ele percebia a escola como uma sociedade em que o entendimento de responsabilidade e as regras de colaboração são suficientes para educar as crianças. ‘A criança, na concepção de Pestalozzi, era um ser puro, bom em sua essência e possuidor de uma natureza divina que deveria ser cultivada e descoberta para atingir a plenitude’, diz Alessandra Arce, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. O pensador suíço costumava comparar o ofício do professor ao do jardineiro, que devia providenciar as melhores condições externas para que as plantas seguissem seu desenvolvimento natural. Ele gostava de lembrar que a semente traz em si o "projeto" da árvore toda. Desse modo, o aprendizado seria, em grande parte, conduzido pelo próprio aluno, com base na experimentação prática e na vivência intelectual, sensorial e emocional do conhecimento. É a idéia do "aprender fazendo", amplamente incorporada pela maioria das escolas pedagógicas posteriores a Pestalozzi. O método deveria partir do conhecido para o novo e do concreto para o abstrato, com ênfase na ação e na percepção dos objetos, mais do que nas palavras. O que importava não era tanto o conteúdo, mas o desenvolvimento das habilidades e dos valores (PESTALOZZI. s/d). Foi a partir do século XIX, que a concepção de criança sofre uma mudança mais significativa, passando ela a ser percebida como um ser que traz consigo a verdade, favorecida de uma boa natureza, um ser puro. O Lúdico, conseqüentemente passa a ser valorizado como sendo um comportamento próprio e espontâneo dela. Aparecem as primeiras políticas sociais de cunho filantrópico e assistencial, com atendimento à infância nos “asilos”, que guardavam os filhos de mães operárias. Froebel quando criou o Kindergarten quis privilegiar a atividade lúdica por perceber o quanto era importante o significado da brincadeira para o desenvolvimento sensório-motor das crianças, ou seja, podemos analisar que tinha a finalidade de possibilitar as crianças atividades mais criativas. A educação é o processo pelo qual o indivíduo desenvolve a condição humana, com todos os seus poderes funcionando com harmonia e completa, em relação à natureza e à sociedade. Além do mais, era o mesmo processo pelo qual a humanidade, como um todo, se elevando do plano animal e continuaria a se desenvolver até sua condição atual. Implica tanto a evolução individual quanto a universal (FROEBEL, 2001, p.68). Mas como em nossa sociedade somos educados para competir a todo momento, com o passar dos anos vamos nos focando somente na vitória deixando de lado, o prazer pelo simples desenvolvimento de algumas atividades O jogo autêntico e espontâneo também pode ser profundamente sério. O jogador pode entregar-se de corpo e alma ao jogo, e a consciência de tratar-se “apenas” de um jogo pode passar para segundo plano. A alegria que está indissoluvelmente ligada ao jogo pode transformar-se, não só em tensão, mas também em arrebatamento. A frivolidade e o êxtase são os dois pólos que limitam o âmbito do jogo (HUIZINGA, 2007, p. 24). Dewey cogitou a educação da criança como aquela que cria o melhor comportamento para satisfazer necessidades físicas e intelectuais. A educação deveria organizar-se em torno dos interesses da criança. Ele chamou a atenção para a necessidade de se evitar trabalhos cansativos e afirmava com segurança à importância da utilização de “ocupações ativas” na educação das crianças, possibilitando por completo o desenvolvimento intelectual, físico, criativo e emocional. Montessori parece perceber isto quando coloca: “Ora, para tratar a criança de um modo diferente do atual, para salvá-la dos conflitos que colocam em perigo sua vida psíquica, é necessário antes de tudo: modificar o adulto” Montessori (1990, p. 22). No entanto, o “adulto” na sua abordagem é, fundamentalmente, o professor. Os limites de sua proposta pedagógica se localizam aí e podemos ver isto quando ela trata da “livre escolha”, pois ela afirma, partindo de uma experiência vivenciada por ela em uma escola: As crianças usavam o material, mas era a professora quem o distribuía e depois tornava a guardá-lo. Ela me contou que quando fazia a distribuição as crianças se levantavam e se aproximavam dela; quantas vezes fossem mandados de volta a seus lugares, tornavam a levantar e aproximar-se. A conclusão da professora foi de que as crianças eram desobedientes. Ao observá-las, compreendi que seu desejo era recolocar os objetos em seus respectivos lugares, e dei-lhes liberdade para fazê-lo. Desse modo, surgiu uma espécie de vida nova: arrumar os objetos e corrigir cada eventual desordem era uma atração fortíssima (MONTESSORI, 1990, p. 134). Decroly interessou-se por aspectos relacionados com a educação especial. Criou os “centros de interesses”, cujo objetivo é partir de temas que interessem as crianças. Particularizou-se no ensino coletivo em que valorizava os jogos educativos para o desenvolvimento delas. Partia da ideia de que no processo educativo é necessário “levar a criança a fazer observações, a realizar associações e a expressar-se de acordo com o conhecimento adquirido”. Freinet divulgava que a educação de crianças deveria ser construir de atividades espontâneas, em grupo e coletivamente. Preocupou-se com uma educação que, tivesse sentido para a criança, em que fossem levados em consideração seus experimentos e sua liberdade de expressão, construindo seus próprios pontos de vistas sobra a realidade na qual está inserida. Destacou a satisfação das crianças, fazendo de trabalhos uma atividade repleta de prazer. Vygotsky contemplava o lúdico como atividade especifica das crianças, onde ela desenvolvia uma atividade social, num contexto em que ela fosse inserida, existindo uma dependência entre o processo de desenvolvimento e o da aprendizagem. Ele classifica o brincar em três fases. Sendo que na primeira fase a criança inicia seu distanciamento do seu primeiro meio social, representado pela mãe, começa então, a fala, começando a dar os primeiros passos. A segunda é caracterizada pela repetição, a criança copia o quase tudo que os adultos fazem. E por fim a última fase que tem como característica pelos acordos que surgem através das regras e princípios a elas associadas. Zona de Desenvolvimento Real: refere-se “àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança... pois já consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais experiente da cultura... este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se estabeleceram ciclos de desenvolvimento que já se completaram”. Zona de Desenvolvimento Potencial: “refere-se àquilo que a criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa... nesse caso, a criança realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo (...) este nível é, para Vygotsky, bem mais indicativo de seu desenvolvimento mental do que aquilo que ela consegue fazer sozinha”. Zona de Desenvolvimento Proximal: “distancia entre aquilo que ela é capaz de fazer de forma autônoma (nível de desenvolvimento real) e aquilo que ela realiza em colaboração com os outros elementos de seu grupo social (nível de desenvolvimento potencial) caracteriza aquilo que Vygotsky chamou de “zona do desenvolvimento proximal”. Neste sentido, o desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram...” (SAUER, 2002, p. 52). Segundo WADSWORTH as convicções de Piaget e Vygotsky sobre a aprendizagem e desenvolvimento diferem: Piaget tinha convicção de que o nível de desenvolvimento colocava limites sobre o que podia ser aprendido e sobre o nível de compreensão possível daquela aprendizagem. Vygotsky, por sua vez, tinha a convicção de que a aprendizagem dos conceitos culturalmente modelados conduzia ao desenvolvimento. Assim, para Vygotsky, a aprendizagem é a força propulsora de desenvolvimento intelectual, enquanto para Piaget o próprio desenvolvimento é a força propulsora. (WADSWORTH apud SAUER, 2002, p. 51 Como observamos, para Piaget o individuo passa por várias etapas de desenvolvimento cognitivo. Esse desenvolvimento dá-se através do equilíbrio entre a assimilação e a adaptação, resultando em acomodação, ou seja, o ser humano assimila os dados que obtém do exterior, sabendo que já existe uma estrutura mental que não está "vazia", precisa adaptar esses dados à estrutura mental já existente. O processo de modificação de si próprio é chamado de acomodação. Com isso ele enfatiza a contribuição do lúdico no processo de aprendizagem. Nessa concepção toda atividade infantil diz respeito ao lúdico. Rezende (2006 p. 08), “evidencia o caráter emocional em que os jogos se desenvolvem, demonstrando seu interesse pelas relações sociais infantis nos momentos do jogo e seus aspectos relativos à socialização”. Percebe-se o valor educacional que o lúdico tem na vivência em grupo. Percebem-se as atividades que surgem livremente pelo simples prazer em realizá-la. O LÚDICO COMO RECURSO DIDÁTICO A atitude lúdica, característica fundamental do ser humano, como já foi dito, permite elaborar recursos metodológicos para atender de forma harmoniosa a proposta de se trabalhar o desenvolvimento parcial de crianças em ambiente escolar, incluindo a educação infantil e o ensino fundamental. O fato de brincar é uma maneira útil de a criança adquirir algumas habilidades dentre as quais físicas, sociais e mentais. Quando uma criança joga peteca, exercita a exatidão dos olhos e do braço; quando roda um pião, aumenta sua força, mas sem nada aprender. Algumas vezes perguntei por que não ofereciam às crianças os mesmos jogos de habilidade praticados pelos homens; a péla, a malha, o bilhar, o arco, a bola, os instrumentos musicais. Responderam-me que alguns desses jogos estavam acima de suas forças, e que seus membros e seus órgãos não estavam bastante desenvolvidos para os outros... não pretendo que ela vá jogar péla em nossos campos, nem que lhe entreguem nas mãozinhas uma raquete desse jogo, mas que ela jogue num salão cujas janelas estejam fechadas e protegidas, que no começo só sejam usadas bolas moles, que suas primeiras raquetes sejam de madeira, depois de pergaminho, e finalmente de corda de tripa, de acordo com seu progresso (ROUSSEAU, 2004, p. 183). O lúdico na educação, permite elaborar um processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social, não restringindo-se apenas ao ensino, que geralmente é uma “transmissão” de informações tendo como finalidade explorar e desenvolver as potencialidades do aluno, uma vez que ele abre portas para um caminho que vai além de uma disciplina no currículo escolar. O professor deve proporcionar aos alunos situações de brincar livre e de brincar dirigido, auxiliando assim, significativamente na aprendizagem destes, desempenhando para isso o papel de mediador, observador e avaliador deste processo. Partindo então desse pressuposto de que o Lúdico é necessário ao desenvolvimento da criança, ele deve estar inserido nas atividades curriculares já no momento do planejamento das aulas, para que não seja utilizado apenas para preencher intervalos de tempo. (KISHIMOTO, 2009, p. 102) “O papel educativo do jogo é exatamente esse. Quando desenvolvido livremente pela criança, o jogo tem efeitos positivos na esfera cognitiva, social e moral.“ CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo tentamos averiguar algumas questões sobre a relação entre o lúdico, a educação e a aprendizagem. Com isso em mente, lidamos, explicitamente com alguns clássicos como Montaigne, Rousseau, Froebel, Pestalozzi, Montessori, Piaget e pesquisadores como Huizinga, Àries, Kishimoto, entre outros. Neste artigo, entendemos que o termo lúdico é abrangente, não especificando-se apenas aos jogos, brinquedos, brincadeiras e ouros tipos de divertimentos. Entendemos que o lúdico é antes de qualquer coisa, uma atitude pessoal. Também concluímos que a brincadeira é uma certa distração, que boa parte das crianças utiliza para divertir-se, passar o tempo, gastar energia, sorrir, alegrar-se, ou seja, serem felizes. Essa felicidade pode vir também através do jogo, seja ele físico (futebol, voleibol, amarelinha, passa anel, etc.) ou até mesmo mental (dama, cartas, estratégicos, etc.), e que tais jogos são regidos por regras, tais jogos na educação possibilitam novas estratégias de ensino, podendo ser utilizados com o objetivo de construir conhecimentos, treinar habilidades já estudadas, aprofundar questões importantes e desenvolver estratégias de raciocínio lógico. Finalmente, é opinião de boa parte dos autores estudados que os jogos e brincadeiras realmente contribuem para a construção da inteligência, desde que sejam usados em atividade lúdica prazerosa, respeitando as etapas de desenvolvimento intelectual da criança. São também da opinião que os benefícios de uma infância bem vivida em termos lúdicos fazem-se sentir ao longo da existência do indivíduo. As múltiplas possibilidades de experiência do jogo e da brincadeira contribuem para tornar a criança mais segura, autoconfiante, consciente de seu potencial e também de suas limitações. Bibliografia REFERÊNCIAS COMENIO, J. A. Didática Magna. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. ERASMO. O Elogio da Loucura. Coleção Os Pensadores. Livro X. São Paulo: Abril Cultural,1972. FROEBEL, F. A educação do homem. Trad. Maria Helena Camara Bastos. Passo Fundo: UPF, 2001. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2007. Tradução João Paulo Monteiro KISHIMOTO, Tizuco Morchida. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. MAURICIO, J. T. Aprender Brincando: O Lúdico na Aprendizagem. Disponível em: acessado em: 16/11/2010. MONTAIGNE. “Da educação das crianças”. IN: Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Coleção Os Pensadores). MONTESSORI, Maria. A Criança. São Paulo, Nórdica, 1990. PESTALOZZI, J. H. Cartas sobre educación infantil. Madrid: Tecnos, 1996. REZENDE, Maria Aparecida Carrijo Rodrigues. A importância dos jogos e brincadeiras na Educação Infantil. Goiás, 2006 ROUSSEAU, Jean-Jaques. Emílio, ou, Da educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Tradução Roberto Leal Ferreira. 3ª Ed. SÁNCHEZ M. Sebastián. Historia da Educação no Brasil. Campina Grande, Agosto de 2004. Manifesto dos pioneiros da educação (manuscrito). SAUER, Andréa Andrade. “Tia, eu posso brincar agora?”: O lugar dos jogos infantis – brinquedos e brincadeiras – na pré-escola. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Santa Cruz. 2002.

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