Alícia Fernández lembra que "aprender é quase tão lindo como brincar" e que aprender e brincar ocupam o mesmo espaço transicional no qual razão e emoção, objetividade e subjetividade se encontram.
Para jogar o homem precisa exercitar uma lógica e uma ética, pois não basta apenas jogar bem para ganhar, mas é preciso ganhar com dignidade. Por isso, o jogo é um material por excelência da intervenção psicopedagógica, na medida em que possibilita o exercício destas lógicas racionais e afetivas necessárias para a ressignificação dos aspectos patológicos relacionados com a aprendizagem humana.
Existe no jogo, contudo, algo mais importante do que a simples diversão e interação. Ele revela uma lógica diferente da racional. O jogo revela uma lógica da subjetividade, tão necessária para a estruturação da personalidade humana, quanto à lógica formal das estruturas cognitivas.
O jogo carrega em si um
significado muito abrangente. Ele tem uma carga psicológica, porque é revelador
da personalidade do jogador (a pessoa vai se conhecendo enquanto joga). Ele tem
também uma carga antropológica porque faz parte da criação cultural de um povo
(resgate e identificação com a cultura); é construtivo porque ele pressupõe uma
ação do indivíduo sobre a realidade. É uma ação carregada de simbolismo, que dá
sentido à própria ação, reforça a motivação e possibilita a criação de novas
ações.
O psicopedagogo utiliza o jogo
diferentemente dos demais profissionais, porque o vê como uma técnica que
permite a articulação de aspectos objetivos e subjetivos, necessários para que a
aprendizagem aconteça sem problemas. Na intervenção psicopedagógica o jogo pode
ser utilizado em suas três formas, de acordo com a teoria de
Piaget:
- JOGOS DE EXERCÍCIO: 0 A 2 anos - período sensório-motor;
- JOGOS SIMBÓLICOS: 2 A 7 anos - período pré-operatório;
- JOGOS DE REGRAS: a partir do período operatório concreto;
Estas delimitações etárias
estão, logicamente, sujeitas à alterações em função das diferenças
individuais.
Jogos de
Exercício
A principal característica da
ação exercida pela criança no período sensório motor é a satisfação de suas
necessidades. Pouco a pouco, porém, ela vai ampliando seus esquemas, adquirindo
cada vez mais a possibilidade de garantir prazer por intermédio de suas ações.
Passa a agir para conseguir prazer. O prazer é que traz significado para a ação.
Piaget observou as condutas das crianças pequenas e delas depreendeu que havia
um objetivo na repetição incessante das mesmas ações: divertir e servir como
instrumento de realização de um prazer em fazer funcionar, exercitar estruturas
já aprendidas. Este tipo de brincadeira dá à criança um sentimento de eficácia e
poder.
O jogo de exercício é definido
por ele com característico desta fase sensório-motora. Entretanto, o ser humano
não deixa de jogá-lo só porque cresce e se torna adulto. A cada nova
aprendizagem ele volta a utilizar jogos de exercícios, necessários à formação de
esquemas de ação úteis ao seu desempenho, pois o jogo de exercício não objetiva
a aprendizagem em si, mas a formação de esquemas de ação, de condutas, de
automatismo. Por isso, jogá-lo só é necessário para este fim, pois fica
cansativa e enfadonha a repetição de ações já
interiorizadas.
Jogos
Simbólicos
Este tipo de jogo predomina dos
2 aos 7 anos de idade, ou seja, no período pré-operatório de
pensamento.
No jogo simbólico a criança já é
capaz de encontrar o mesmo prazer que tinha anteriormente lidando agora com
símbolos. É a época do "faz de conta", da representação, do teatro, das
histórias, nas quais uma coisa simboliza outra: um pedaço de pau "vira" cavalo;
vestir uma capa transforma em super-homem; representar o papel de mãe ao brincar
de bonecas, dentre outros exemplos.
Os jogos simbólicos têm as
seguintes características:
- Liberdade total de regras (a não ser aquelas criadas pela própria criança);
- Desenvolvimento da imaginação e da fantasia;
- Ausência de objetivo ( brincar pelo prazer de brincar);
- Ausência de uma lógica da realidade;
- Assimilação da realidade ao "eu" (a criança adapta a realidade a seus desejos. EX: se presencia uma briga entre os pais, vai brincar de casinha e resolve o conflito por meio dos bonecos.
- A criança é capaz deste jogo
porque já estruturou sua função simbólica, ou seja, já produz imagens mentais,
já domina a linguagem falada, que lhe possibilita usar símbolos para substituir
os objetos. Quando joga jogos simbólicos ela tem a possibilidade de vivenciar
aspectos da realidade muitas vezes difíceis de elaborar : a vinda de um
irmãozinho, a perda de um genitor, a mudança da escola...Pode lidar com as
situações desejantes ( ser um super-homem), penosas ( separação dos pais ), com
situações do passado, enfrentar problemas do presente e antecipar conseqüências
de ações no futuro.
Ela pode fazer tudo isso, sem
riscos, porque nada é real, tudo é fictício. O adulto que observa e interage com
a criança no jogo simbólico pode perceber como ela está elaborando sua visão de
mundo, como lida com seus problemas, quais são seus sonhos ou suas preocupações.
Por isso, o jogo simbólico é tão importante na intervenção psicopedagógica
dirigida para as dificuldades de aprendizagem.
Como o período pré-operatório se
estende dos 2 aos 7 anos, tendo portanto, uma duração mais longa, verificamos
que o jogo simbólico sofre modificações á proporção que a criança vai
progredindo em seu desenvolvimento, rumo à intuição e à
operação.
Jogo de
regras
Os jogos de regras são o
coroamento da experimentação da criança com as transformações a que ela chegou
quando atingiu a reversibilidade de pensamento operatório concreto. Neles existe
o prazer do exercício, o lúdico do simbolismo, a alegria do domínio de
categorias espaciais e temporais, os limites que as regras determinam a
socialização de condutas que caracteriza a vida adulta.
Os jogos de regras são segundo
Piaget, "a atividade lúdica do ser socializado".
Um jogo de regras pressupõe uma
situação problema, uma competição por sua resolução e uma premiação advinda
desta resolução. As regras orientam as ações dos competidores, estabelecem seus
limites de ação, dispõem sobre as penalidades e recompensas. Elas são as "leis"
do jogo .
Ao jogar jogos de regras as
crianças assimilam a necessidade de cumprimento das leis da sociedade e das leis
morais da vida.
Para ser enquadrado como um jogo
de regras são necessárias as seguintes características:
- Que haja um objetivo claro a ser alcançado;
- Que existam regras dispondo sobre este objetivo;
- Que existam intenções opostas dos competidores;
- Que haja a possibilidade de cada competidor levantar estratégias de ação;
Os jogos de regras são
necessários para que as convenções sociais e os valores morais de uma cultura
sejam transmitidos a seus membros.
As estratégias de ação, a tomada
de decisão, a análise dos erros, lidar com perdas e ganhos, replanejar as
jogadas em função dos movimentos do adversário, tudo isso é fundamental para o
desenvolvimento do raciocínio, das estruturas cognitivas dos sujeitos. O jogo
provoca um conflito interno, a necessidade de buscar uma saída, e desse conflito
o pensamento sai enriquecido, reestruturado e apto a lidar com novas
transformaçõe
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