segunda-feira, 26 de setembro de 2011

DISLEXIA- DISMUSIA


O conceito de transtornos de aprendizagem é menos absoluto do que geralmente se imagina. Numa sociedade não literata, as vantagens dos disléxicos poderão ficar mais evidentes do que as desvantagens.
Por outro lado, indivíduos com total falta de talento para a música podem passar pelo atual sistema educacional sem maiores dificuldades, apesar de serem considerados em determinado contexto social como tendo um grave transtorno de aprendizagem. Estas considerações levam a uma nova visão do significado das modificações cerebrais encontradas nos transtornos de aprendizagem e sua relação, não apenas com o transtorno, mas, também, com o talento. Este artigo analisa alguns desses itens no contexto de vida de um indivíduo que não é disléxico, mas tem outra forma grave de transtorno de aprendizagem a "dismusia" *(1).
Não há modo de representar, através da palavra escrita, a música que foi tocada na abertura da conferência em que se baseia este artigo. A seleção ouvida consistia na magnífica abertura de "As Quatro Estações" de Vivaldi. As razões desta escolha ficarão claras nas próximas páginas. O título deste trabalho reflete apenas a parte final do artigo. A ênfase recai inicialmente nas experiências de um indivíduo com dificuldade de aprendizagem e no impacto que estas dificuldades lhe causam na vida. Pode parecer supérfluo escrever sobre a vida de alguém com transtornos de aprendizagem para os leitores do Annals of Dyslexia *(2), grupo composto, em sua maior parte, de pessoas para as quais a dislexia tem sido uma preocupação grande e muitas vezes prioritária. São profissionais que durante anos, nas classes, nas clínicas e nos laboratórios de psicologia, tiveram íntimo contato com disléxicos; freqüentemente são também disléxicos ou vêm de famílias nas quais este problema foi importante. O impacto causado por um transtorno de aprendizagem não precisa ser enfatizado para eles. É porém importante olharmos os transtornos de aprendizagem de maneira mais ampla. Quase gostaria de afirmar que a abrangência do problema não é do conhecimento de muitos, mesmo entre aqueles que lidam com o assunto da maneira mais ampla. Olhar para "além" da dislexia pode nos ajudar a olhar mais claramente "para" a dislexia.
* (I) N.T.: No original DYSMUSIA, neologismo usado por analogia com o termo DYSLEXIA.
* (2) N.T.: Annals of Dyslexia é uma publicação da Orton Dyslexia Society e contém textos selecionados entre os apresentados durante o Congresso anual da entidade.
O termo "transtornos de aprendizagem" é muito elástico. Estudantes da área podem ser divididos entre os chamados "splitters" e os "lumpers", enquanto que outros estão em diferentes pontos desses dois extremos. O "splitter" reconhece não somente dislexia, mas também diversos sub-tipos. Ele ou ela distingue crianças com dificuldade apenas na escrita, enquanto os "lumpers" englobam estes no grupo dos "potencialmente" disléxicos. O "splitter" coloca a hiperatividade, transtornos de atenção e dificuldade para a matemática como entidades distintas. Demora para falar, gagueira, autismo e até a síndrome de Tourette terão seu lugar neste continuum.
O "lumper" extremista considera que todos os sintomas são manifestações de uma única e abrangente síndrome de dificuldades de aprendizagem e encerra todos os sub-grupos como variações sobre um tema central. Não vou entrar em detalhes sobre essa discussão neste artigo.
Sabemos já muita coisa sobre essas entidades, mas sabemos mais sobre dislexia do que qualquer uma das outras. Nesse grupo há predominância do sexo masculino, um grande número de canhotos, e eles também compartilham outras características que não serão discutidas aqui.
Há, todavia, outro grande grupo subordinado ao nome "transtornos de aprendizagem", não importa quão rígido seja o critério usado. Essas características estão presentes num grande número de pessoas que, apesar de talentos normais ou superiores em outras áreas têm dificuldade em adquirir uma ou outra habilidade específica. Apesar da grande quantidade desses indivíduos, há poucas referências a eles na literatura especializada, e não é comum encontrarmos estudos relevantes sobre o assunto Essas dificuldades têm, devemos admitir, urna menor possibilidade de perturbar a vida do que os outros quadros mencionados anteriormente, mas isso não é uma desculpa adequada para que os negligenciemos. Olhando para eles com maior cuidado, estaremos mais aptos para entender transtornos como por exemplo os de aprendizagem, cujas conseqüências adversas exigem atenção freqüente e focalizada.
Vamos considerar o exemplo típico de uma pessoa com dificuldades de aprendizagem, desse grupo que contrasta claramente com aqueles mais conhecidos da maioria dos estudantes de dislexia. Essa pessoa não teve nenhuma dificuldade na aquisição de linguagem, nem de leitura ou escrita, apesar da sua caligrafia nunca ter passado do nível C. Suas dificuldades para aprendizagem de música nem por isso deixavam de ser significativas. Ele se lembra de pertencer a uma família na qual ninguém era musical e ele se lembra também de ter descoberto mais tarde que sua mãe era desafinada. Seus filhos também são pouco musicais apesar do freqüente contato com música gravada.
Quando criança, ele foi rapidamente classificado como ouvinte. Preocupado com sua dificuldade, começou a tomar aulas de piano, mas o professor logo descobriu que sua capacidade para discriminar notas e manter o ritmo era extremamente pobre. Ele foi aconselhado a desistir de obter até mesmo um conhecimento musical básico. Essa dificuldade ia além da capacidade para cantar afinado. Amigos ficaram espantados pela sua incapacidade em perceber se duas notas cantadas consecutivamente eram diferentes entre si. Um colega com grandes aptidões para música achava que ele não devia acompanhar a música, já que além de não ser afinado ele freqüentemente batia seu pé fora de compasso, fato que ele mesmo percebia. O que tornava tudo ainda mais desagradável é que a maioria de seus colegas parecia estar adquirindo, sem instruções especiais, os talentos que Ihe faltavam.
Ele se lembrava de algumas festas onde o anfitrião insistia para que cada convidado cantasse uma música. Quando ele se recusava diziam-lhe para não ser tímido. Mas ele não era tímido.
Dançar foi outra habilidade igualmente inacessível, a despeito do esforço de amigos, parentes e mesmo professores de dança, ele descobriu que esta habilidade conseguida sem esforço pela maioria de seus colegas, ficava para ele reduzida ao nível mais medíocre como conseqüência de sua falta de ritmo.
Como o disléxico ele recebia todo tipo de opiniões é conselhos. Afinal, "todo mundo" tinha jeito para música e "todo mundo" sabia dançar. Muitas vezes, ele se perguntou se não se poderia argumentar com a mesma ênfase que "todo mundo" poderia ser loiro e ter 1.80m de altura. Outros Ihe diziam que devia haver um bloqueio emocional. O pior eram os conselhos de que, se ele simplesmente relaxasse e se deixasse levar pela música, não teria problemas para dançar. A recomendação para relaxar deveria estar entre os conselhos menos úteis que qualquer professor pode dar. Ainda pior do que conselhos desnecessários foi a experiência que teve em duas viagens, quando foi arrastado para a pista de dança por entusiásticos parceiros que acreditavam num batismo de imersão total. Não será surpresa ouvir que este indivíduo também não era muito atlético. Além disso, tinha dificuldades especiais em cursos onde tinha que construir diagramas ou protótipos de modelos.
Há, porém, mais uma faceta estranha nesta história: este indivíduo com transtorno de aprendizagem musical sério não tinha nenhuma dificuldade com inglês, gramática ou ortografia. Para ele os joguinhos de soletração, provavelmente o cúmulo do horror para os disléxicos, eram estimulantes e divertidos. Escrever uma composição nunca foi problema. Aprendia línguas com facilidade e assim aprendeu a ler cinco línguas estrangeiras e a falar três com boa pronúncia. Mais estranho ainda é que ele tinha bom ouvido para as pronúncias e os sons incomuns das outras línguas. É intrigante saber que Ihe foi afirmado que sua boa pronúncia e bom ouvido para línguas estrangeiras deveria ser sinal de uma grande habilidade musical. O "senso comum" nos diz que um bom ouvido para línguas deve vir acompanhado de um bom ouvido para música. Porém, é fácil encontrar pessoas altamente musicais que não conseguem ter boa pronuncia numa língua estrangeira nem conseguem perceber a diferença entre o "U" e "OU" franceses. Mas o senso comum como já foi dito, é composto de uma série de preconceitos que adquirimos no começo da nossa vida. O senso comum se engana outra vez quando nos diz que o disléxico que desenha bem deve ter um "bom olho" e portanto, ser capaz de aprender as letras. Não o "senso comum", mas sim a ciência, nos mostrou que habilidade para linguagem e habilidade musical são independentes uma da outra, e que uma pessoa pode ter grande habilidade com um tipo de material visual e muito pouca com outro.
A experiência deste indivíduo certamente tem nuances da experiência dos disléxicos. Se uma pessoa consegue ver, ouvir, se movimentar e parece ser razoavelmente inteligente, por que não seria capaz de ler, escrever, cantar ou dançar? Os que conseguem fazer estas coisas, na realidade não sabem o que lhes permite este bom desempenho, e ficam contentes em usar suas teorias de "senso comum" para aconselhar aqueles que não conseguem. Deveríamos ter em mente que o "senso comum" é um dos maiores inimigos das pessoas que têm transtornos de aprendizagem.
Dois tipos de objeção podem surgir a esta altura: em primeiro lugar pode-se argumentar que não é legítimo comparar a dislexia com a falta de habilidade musical, artística ou esportiva, uma vez que a dislexia afeta uma importante faceta da atividade intelectual, enquanto os talentos artísticos, musical ou atlético dependem de ter um "bom olho ou ouvido, ou em possuir bons reflexos". Essa idéia reflete um procedimento muito comum, mas está errada. Antes de mais nada, para ser um músico ou atleta destacado, é necessário ter um cérebro que seja capaz de realizar admiráveis feitos que nenhum artifício conseguiu ainda reproduzir. Ninguém ainda construiu uma máquina capaz de se aproximar, embora vagamente, dos feitos de um Heifetz, uma Babe Ruth, ou um Michelângelo. Além disso, o progresso da humanidade dependeu bastante de avanços tecnológicos que freqüentemente são aceitos como óbvios.
Outro aspecto incomum é o fato que a esta história simplesmente falta a essência da experiência de vida do disléxico. Realmente, no mundo há pessoas às quais falta algum talento, mas a não ser que esta pessoa tenha a infelicidade de nascer em uma casa onde se insista que ele seja músico, artista ou atleta, apesar de sua óbvia incapacidade, este indivíduo pode seguir sua vida tranqüilamente.
O disléxico não pode escapar tão facilmente, porque a sociedade não tolera um estado permanente de total ou parcial não domínio de leitura e escrita. Pais, parentes, professores, irmãos e outros recusarão o descanso à criança. Há constantes lembretes do fracasso em adquirir uma habilidade sem a qual a pessoa fica excluída da sociedade moderna. A não ser nas férias, e, mesmo aí nem sempre o disléxico está condenado à exposição diária desta incapacidade na escola. Somente aqueles poucos afortunados que têm professores e pais inteligentes e compreensivos e a oportunidade de se submeter a um tratamento especializado podem, de alguma forma, escapar desses contínuos lembretes. Mesmo assim, isto pode ser ainda por muito tempo escapatória apenas parcial, uma vez que o disléxico sempre precisa enfrentar pessoas com menos sensibilidade para suas dificuldades.
O fato de que o disléxico terá em geral, sofrido mais do que o nosso personagem "dismúsico" é evidente, mas o paralelo não deixa de ter sua validade. Para esclarecer isso melhor, vamos voltar à música de Vivaldi da qual falávamos anteriormente. Alguns detalhes das circunstâncias sob as quais ele trabalha podem ser ilustrativas. Antonio Vivaldi, o "sacerdote de cabelos de fogo", passou a maior parte de sua carreira trabalhando numa instituição em Veneza, que tinha pelo menos uma característica fora do comum. Um viajante francês registrou o fato de que Veneza, naquele período, era rica em música e que entre os diversos grupos destacavam-se as orquestras só de mulheres. As componentes destes conjuntos eram residentes de escolas para moças órfãs ou jovens cujas famílias não podiam cuidar delas. A principal atividade dessas escolas era música. Entre essas orquestras, a que mais se destacava era aquela dirigida por Vivaldi, tendo sido sua principal ocupação na maior parte de sua carreira. Foi especialmente para este grupo só de mulheres que ele dedicou a maioria de suas composições.
Imaginem por um momento a vida nessas instituições para uma moça sem dotes musicais. Ser musicalmente incapaz significaria necessariamente um fracasso na atividade mais importante para cada um. Enquanto as moças com grande talento musical poderiam esperar tratamento especial, supõe-se que as não-musicais eram, constantemente lembradas de sua incapacidade e provavelmente condenadas a se ocupar da cozinha, latrinas, banheiros e pavimentos. Podemos supor que essas moças eram ensinadas a ler, mas não havia provavelmente nem a necessidade nem o desejo de forçar esse talento para além do requerido pelos textos de orações ou de outras músicas a serem cantadas, e mesmo isso sem grandes exigências. Provavelmente mesmo as moças com dificuldades de leitura poderiam aprender os textos a serem cantados independentemente da palavra escrita. De qualquer maneira, a leitura por prazer, provavelmente não era muito difundida.
E óbvio qual era o transtorno de aprendizagem que prejudicaria mais o indivíduo naquela sociedade. Isso ilustra bem o fato de que a desvantagem trazida por uma determinada dificuldade de aprendizagem depende muito daquilo que se exige em determinada comunidade. Como a maioria das pessoas até recentemente não era letrada, a dislexia de fato raramente chegou a ser uma incapacidade. No futuro, por sua vez, os avanços tecnológicos poderão modificar os critérios em relação aos transtornos de atenção. Por exemplo, há cem anos, a grande força física era importante e a pessoa com bom preparo físico poderia conseguir, rapidamente, um emprego na indústria ou na agricultura, enquanto os fracos tinham maior probabilidade de ficar em desvantagem. Com o advento do computador, outro grupo de indivíduos vai ficar em desvantagem. A sociedade está exigindo níveis progressivamente mais elevados de talento matemático. Estes, cujo talento era de pouca utilidade no mercado de trabalho até há poucos anos, estão em uma posição vantajosa, e certamente há muitos disléxicos entre eles. por outro lado, se forem criados dispositivos que possam ler textos em voz alta corretamente—e isto não está tão fora de cogitação—a dislexia deixará de ser uma desvantagem. Afinal os gravadores já estão ajudando muitos disléxicos.
Tudo isso deve nos levar à conclusão que os seres humanos têm talentos diferentes. E que nós precisarmos apenas encarar a dislexia ou a `'dismusia" severas como variações extremas de talentos cujas desvantagens são determinadas puramente por circunstâncias sociais locais.
Isso seria, todavia simples demais. Para pensarmos sobre isso vamos voltar ao indivíduo "dismúsico" do qual falamos antes. Ele tem, na realidade, plena consciência de que sua dificuldade é um defeito. Pode haver variações de talento, e a maioria dos seres humanos se encontra dentro de determinados desvios-padrão em relação à média. Mas a maioria também não necessita de atendimento especial. Aqueles que têm uma dificuldade muito distante da média são essencialmente diferentes.
Podemos imaginar que, se tivesse existido em Veneza um equivalente ao Dr. Sarnuel T. Orton, ele teria estudado as meninas com dificuldades específicas de música e suas descobertas teriam sido comemoradas com a fundação, pelos seus admiradores da Orton Dysmusia Society. E, assim como nosso atual Orton, teria chamado nossa atenção para o fato do cérebro dos "dismúsicos" ser diferente de alguma forma especial. Com certeza, surgiria uma equivalente veneziana da Dra. Margaret Rawson para ajudar muitos dos '`dismúsicos".
Mas a história não acaba aqui. Não é correto, simplesmente falar em diferenças ou defeitos, porque nós aprendemos pelo menos um fato importante a partir do estudo de cérebros de disléxicos e de experimentos com animais. Fazer cérebros talentosos não é fácil. A natureza, provavelmente, usou alguns estratagemas para conseguir isso. Um dos fatos mais curiosos é que os fatores que levam ao surgimento de cérebros talentosos podem por vezes não ser muito bem sucedidos e o resultado é o surgimento de talento em algumas áreas e problemas em outras. Não vou discutir aqui como este ponto de vista pode nos levar a entender alguns interessantes paradoxos sobre dislexia. Os leitores deste folheto terão visto, entre seus disléxicos, uma razoável proporção de indivíduos atléticos mas também muitos desajeitada alguns bem dotados em matemática e alguns não dotados para matemática. Harold Gordon documentou a grande porcentagem de habilidades de determinado tipo em indivíduos disléxicos, mas a complexidade do problema ainda não foi totalmente explorada. Os indivíduos com transtornos de aprendizagem não são simplesmente um sub-produto da diversidade. Eles são, provavelmente, uma população mais variada do que aqueles sem dificuldades específicas. E, ao mesmo tempo que podem contribuir enormemente para a sociedade, freqüentemente precisam pagar um alto preço pelos seus talentos. É nossa obrigação sermos mais espertos do que a natureza, conseguindo preservar os talentos, ao mesmo tempo que evitamos as desvantagens.
O leitor há de lembrar que o primeiro cérebro de um disléxico estudado por Galubarda e Kamper, assim como outros mais recentes mostraram, anormalidades no desenvolvimento do córtex posterior esquerdo, na região da linguagem. Deveríamos também lembrar que Patrícia Goldman descobriu que a alteração de um dos lados do córtex de um macaco, ainda na vida intra-uterina, leva a um desenvolvimento superior na região correspondente no outro lado do cérebro e nas adjacentes à região afetada. Em outras palavras, exatamente as mesmas modificações cerebrais que provocam um transtorno podem também produzir um talento superior. Na realidade, é muito possível que tanto a dislexia quanto outros transtornos de aprendizagem sejam um resultado paralelo —não desejado—de um mecanismo que evolui como forma de desenvolver certos tipos de talentos superiores. Poderíamos mesmo chegar a entender muito sobre dislexia e outras desordens especiais se olharmos através desta perspectiva, e não apenas pelo lado das funções perturbadas.
Seria útil olhar mais atentamente os `'dismúsicos", uma vez que eles poderão aprofundar nossa compreensão de dislexia. Serão eles predominantemente do sexo feminino ou Predominantemente do sexo masculino? O "dismúsico" citado neste artigo é fortemente destro, assim como seus parentes não-musicais. Mas uma andorinha — ou talvez mais precisamente, um bando de gralhas—não faz verão. Ninguém ainda fez a correlação de um transtorno de aprendizagem com grande número de destros—talvez a "dismusia" preencherá esse papel. Já falei, em outra ocasião, que certas desordens do sistema imunológico são encontradas com elevada freqüência entre indivíduos fortemente canhotos e entre disléxicos, gagos e outros indivíduos com transtornos de aprendizagem de tipos clássicos. haverá entre os "dismúsicos" a mesma quantidade de correlações? A resposta a tudo isso poderá nos levar a entender melhor a dislexia.
Finalmente, o que dizer do cérebro das pessoas seriamente não-musicais ? Pode-se supor que no cérebro destas pessoas, em algum lugar do hemisfério direito, talvez numa localização análoga no lobo temporal, encontraremos um grupo de células nervosas que terão migrado impropriamente ?
De qualquer maneira não deveríamos decidir apressadamente que o "dismúsico" é um tipo invertido de disléxico. Existem dados que sugerem o desenvolvimento mais precoce do hemisfério direito do que do esquerdo na vida intra-uterina, e que o hemisfério esquerdo fica exposto a influências potencialmente perturbadoras por um período maior. Por isso podemos esperar uma maior quantidade de alterações no hemisfério esquerdo. Fatores perturbadores para o hemisfério direito podem agir num estágio mais precoce da vida de um feto. Se estes fatores estiverem presentes apenas por um curto período, então o hemisfério esquerdo poderá se desenvolver de forma superior; mas se estas influências perturbadoras persistirem, então ambos os hemisférios podem apresentar alterações e em alguns casos podemos encontrar disléxicos. Se um disléxico hipotético deste tipo fosse diferente de um no qual houvesse somente uma perturbação tardia no desenvolvimento do hemisfério esquerdo é por enquanto apenas suposição teórica.
O que provavelmente pode ser dito com certeza é que o conhecimento dos vários aspectos da dislexia pode ser enriquecido se for olhado através de um enfoque biológico e sociológico. Temos que entender sua relação com o talento muito desenvolvido e também com as condições sociais que fazem dele um transtorno. Temos que entender também as outras formas de transtorno de aprendizagem, uma vez que estas podem nos ajudar a perceber aspectos da dislexia que, de outra forma, nos poderiam ter escapado. Quanto mais amplo o contexto em que observamos a dislexia, mais provavelmente poderemos entender suas causas e isto, por sua vez, poderá contribuir para o refinamento do diagnóstico e também para o tratamento mais eficaz.
NORMAN GESCHWIND, M.D.
Diretor da Unidade de Neurologia do Beth Israel Hospital (Boston, MA.)

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