O
objetivo deste trabalho é destacar a importância do lúdico no
processo de aprendizagem e no atendimento da criança e do
adolescente com problemas escolares.
A maioria
destes jovens chega rotulada. Rótulos que os impedem de caminhar. Segundo os
pais ou as entidades responsáveis por seu encaminhamento, eles têm dificuldade
de aprender, são desatentos, lentos, vivem no mundo da lua, não prestam atenção
a nada, só falam bobagem.
Diante de
toda essa escuta se percebe que o causador de todo esse desconforto, muitas
vezes não se deu conta dessa dificuldade. Daí a importância do acolhimento para
que o jovem possa se abrir e assim em conjunto possamos observar, analisar e
criar condições de tentar " auxiliá-lo a resolver suas dificuldades".
Tenho
observado também que esse espaço tem permitido aos pais falarem das suas
dúvidas, incertezas e mesmo de seus conflitos, ao buscarem ajuda para os filhos
descorem que podem ser ajudados.
Recebemos
há alguns meses, aqui no ambulatório N., 12 anos, 5 série, uma adolescente,
cuja queixa principal era dificuldade escolar. As observações enviadas pela
escola eram de que a adolescente tinha dificuldade de assimilar conteúdos, era
tímida, não falava e permanecia o tempo todo de cabeça baixa.
Ao chegar
para a avaliação psicopedagógica, sentou, abaixou a cabeça e a mãe narrou seu
caso. Segundo a mãe, a gravidez foi muito difícil, não fora planejada, e que na
escola e em casa as coisas estavam cada dia mais complicadas. A mãe falava
muito. Enquanto a mãe falava N. aos poucos foi levantando a cabeça e me olhava
sem fazer comentários. Depois de colher as informações que só a mãe podia
fornecer pedi que ela nos deixasse, para que pudéssemos conversar.
N. ainda
me parecia assustada. Tentei iniciar uma conversa, mas em vão. Sobre a mesa
estava um saquinho de plástico e expliquei que dentro tinha um jogo, se ela
gostaria de olhá-lo. Pegou, olhou e colocou de novo sobre a mesa. Perguntei se
gostaria que eu abrisse. Balançou a cabeça de forma afirmativa. Então pedi para
que me ajudasse a esparramar as peças do quebra-cabeça. Indaguei se sabia o que
era. Balançou a cabeça afirmativamente. Olhava cada pedaço, como que procurando
algo conhecido. De repente exclamou:
Olha a
Sândi!
E foi ai
que começou tudo!
Diante de
situações como esta, onde o adolescente se mostra sem recursos para mudar a
forma de enfrentar a vida, um dos meios facilitadores é o jogo, pois nele suas
dificuldades, seus medos podem ser expostos. Foi o modo que encontrei para
estabelecer nosso primeiro contato. Era como se ela estivesse tentando juntar
as peças da sua vida.
O quebra
cabeça, escolhido, trazia as fotos de Sandy e Jr. Dois jovens muito apreciados
pelos adolescentes, o que de possibilitou esta abertura.
Chegamos
a trabalhar mais um quebra cabeça, mas ela mais não voltou. Essa é uma
dificuldade presente, quando a família não está disposta a aceitar mudanças. No
último encontro, já se notava alguma diferença ainda que muito tênue. Já não
permanecia mais de cabeça baixa, já começava a esboçar alguns comentários, a
mãe relatou que ela adorava cantar, e que havia pedido para fazer parte do
coral do grupo de jovens da sua igreja.
Com
relação a esta adolescente, alguns conceitos necessitavam de mais trabalho.
Percebeu-se, a falta de estimulação de alguns pré-requisitos necessários sua
alfabetização, aqueles estimuladores que põe a criança em contato primeiro com
o mundo com a vida e que mais tarde estimularam sua aprendizagem. Destacamos
habilidades importantes para que o caminho escolar seja menos árduo.
Com
relação a esta adolescente em especial, alguns conceitos necessitavam serem
mais elaborados como imagem corporal, lateralidade, orientação temporal.
Por isso
tenho procurado em minhas abordagens fazer uso do lúdico, considero uma técnica
importante, no tratamento destas e outras questões relacionadas a aprendizagem.
Porque permite perceber as dificuldades e conversar sobre elas de modo a
estabelecer caminhos para superá-las.
O lúdico
é para crianças, adolescentes e adultos, uma possibilidade de desenvolver o
afetivo, o motor, o cognitivo, o social, o moral e possibilita também
aprendizagem de conceitos.
Quando se
discute o uso de jogos na educação, aparecem duas correntes há autores que
destacam sua importância e outros assinalam seus limites e cuidados.
É
importante essa ressalva pois no contexto educativo, o jogo deve ser usado de
maneira justa para que não venha substituir a realidade.
Antes de
continuar vamos definir o que é jogo e o que são brincadeiras. Segundo o
Aurélio:
Jogo é
uma atividade física ou mental organizada que por um sistema de regras definem
quem perde ou ganha.
Brincadeira:
passatempo, entretenimento.
Destacamos
alguns autores e suas posições sobre a importância dos jogos e brincadeiras na
vida do ser humano.
Freud em
" O poeta e a fantasia" diz: " Não deveríamos procurar os
primeiros traços das atividades poéticas já nas crianças? Talvez devêssemos
dizer: Cada criança em suas brincadeiras comporta-se como um poeta, enquanto
cria seu mundo próprio, ou, dizendo melhor: enquanto transpõe os elementos
formadores de seu mundo para uma nova ordem, mais agradável e conveniente para
ela ".
Na ótica
da teoria da psicologia genética, tendo Piaget como uma das principais
expressões, " o brincar representa uma atividade por meio da qual a
realidade é incorporada pela criança e transformada quer em função dos hábitos
motores ( jogos de exercícios) quer em função das necessidades do seu eu ( jogo
simbólico) ou em função das exigências de reciprocidade social ( jogos de
regras)".
Winnicott,
diz que " é no brincar, e somente no brincar que o indivíduo, criança ou
adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente
sendo criativo que o indivíduo descobre o eu."
Macedo
defende os jogos especialmente os de regra porque criam um contexto de
observação e diálogo sobre os processos de pensar e construir o conhecimento de
acordo com os limites da criança.
A técnica
do jogo em psicanálise foi elaborada por Melanie Klein, Ana Freud e outros que
aprofundaram o simbolismo inconsciente do jogo.
Para
Melanie Klein, brincando a criança expressa de modo simbólico suas
“phantasias”, seus desejos e suas experiências vividas (1977, 26).
Para
Vygotsky, o brincar tem origem na situação imaginária criada pela criança, em
que desejos irrealizáveis podem ser realizados com a função de reduzir a tensão
e ao mesmo tempo, para construir uma maneira de acomodação a conflitos e
frustrações da vida real.
Logo é
importante entender o lugar que o jogo ocupa para que possa ser usado de forma
adequada. Ele só é educativo quando o educador o desenvolve com o objetivo e
intencionalidade, caso contrário é apenas uma brincadeira.
Pode-se
dizer que o jogo está muito ligado ao próprio funcionamento da inteligência uma
vez que a sua construção depende de uma série de assimilações e acomodações que
a pessoa faz ao longo da vida. O cérebro, no entanto, não é um sistema de
funções fixas e imutáveis, mas um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja
estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie
e do desenvolvimento individual. Como as possibilidades humanas são tantas que
essa plasticidade pode ser usada de tal sorte que não são necessárias
transformações no órgão físico. Quando a criança ou o adolescente joga com
regras exercita todas as suas funções intelectuais mesmo que esta seja de
natureza metafórica.
Com o
tempo a criança vai distinguindo os diferentes jogos e percebendo que alguns
necessitam de um grande esforço e concentração, sem deixar de lado o caracter
prazeroso da ação.
É
importante destacar que o jogo por si só não permitirá o desenvolvimento e a
aprendizagem mas sim a ação de jogar é que desenvolve a compreensão. Mas também
no lúdico é importante que o aluno seja percebido como ele é, mesmo
apresentando dificuldades, e que o programa de atividades esteja voltado para
atender as suas necessidades.
Por
possuir regras supõe-se que o jogo tenha organização e coordenação que o
inserem num quadro de natureza lógica.
É
necessário conhecer as regras, compreendê-las, e praticá-las exigindo um
exercício de operação e cooperação.
Ao jogar
acontece uma série de relações, de encaixe parte e todo, de ordem, de
antecipação e de retroação.
Como o
jogo envolve operações entre pessoas, contato social, a situação problema que o
jogo oferece dá ao participante oportunidade de empregar procedimentos
cooperativos para alcançar o objetivo que é ganhar.
O jogo
assume um significado funcional onde a realidade é incorporada pela criança e
transformada, de acordo com seus hábitos motores, com as necessidades do eu e
em função das exigências do social.
Piaget
dedicou-se a estudar os jogos e chegou a estabelecer uma classificação de
acordo com a evolução das estruturas mentais.
Para
Piaget os jogos são classificados em:
Jogos de
exercícios - de zero a 2anos;
Jogos de
Símbolos - 2 a 7anos;
Jogos de
Regras - a partir dos 7anos.
Jogos de
Exercícios
O período
sensório-motor (0 a 2 anos) se caracterizam pela satisfação das necessidades
básicas. O jogo consiste em rituais ou manipulações de objetos em função dos
desejos e hábitos motores da própria criança. Aos poucos a criança vai
ampliando seus esquemas, adquirindo cada vez mais prazer através de suas ações.
O prazer é que traz significado para as suas ações.
O ato de
sugar é tão importante. O bebê mama não apenas para sobreviver, mas porque
descobre o prazer de mamar à medida que sacia a sua fome.
Nesta
fase outras conquistas vão surgindo (engatinhar, andar, falar) são todas
atividades cheias de prazer. Ele prefere o chão, onde ensaia os primeiros
passos, emite os primeiros sons na tentativa de imitação da fala, se dedica a
observar mãos e pés, descobrindo o seu corpo.
Ao
observar estas condutas a criança percebeu que ao repetir as ações existia um
prazer em fazer funcionar, em exercitar o que já havia aprendido.
Mas
apesar de adultos não deixamos de utilizá-lo. Quando compramos um
eletrodoméstico, ou qualquer aparelho que ainda não dominamos, ligamos e
repetimos varias vezes as operações até termos certeza de que podemos fazê-lo
funcionar. Neste momento sentimos enorme prazer em ter o poder e controle sobre
a máquina.
Os jogos
simbólicos
Compreende
de 2 aos 7 anos aproximadamente. É a fase do faz de conta, da representação, do
teatro, onde uma coisa simboliza outra. Uma vassoura pode virar um cavalo, e ao
brincar com as bonecas pode representar o papel de mãe.
A criança
é capaz porque já estruturou as imagens mentais, já domina a linguagem falada
com a qual pode se expressar.
Os jogos
simbólicos têm características que lhes são próprias: liberdade de regras,
desenvolvimento da imaginação e fantasia, ausência de objetivos, ausência de
uma lógica da realidade, adaptação da realidade aos seus desejos.
Nesses
momentos vivência aspectos de sua realidade muitas vezes difíceis de elaborar:
a chegada de um irmão, morte de alguém, mudança de escola.
Bruno
Betttlheim nos conta o caso de uma menina de 4 anos, que diante da gravidez de
sua mãe, passou por um processo de regressão. Mesmo sendo orientada pela mãe,
começou a molhar-se, sua alimentação tinha de ser feita pela mamadeira e voltou
a engatinhar.
Esta
situação foi muito incômoda para a mãe, mas ela não tentou impedir a regressão.
Meses depois, a situação era outra, brincava com as bonecas de forma até mais
carinhosa.
O medo de
que com a chegada do novo bebê, a mãe pudesse privá-la de todas as
gratificações, levaram-na a comportasse desse modo.
Mas como
deixaram-na agir, aos poucos foi percebendo que ficar molhada não era tão bom,
como havia imaginado; que só a mamadeira era desvantagem diante de uma grande
variedade de outros alimentos; que correr e saltar eram muito melhor que
engatinhar. Parou de brincar que era um bebê e resolver brincar de ser mãe.
À medida
que a criança vai se desenvolvendo passa para estágios mais avançados, as
atividades têm a tendência de serem mais imitativas, busca coerência com a
realidade. Jamais a criança brinca tentando colocar uma boneca grande numa
caminha pequena.
Jogo de
regras
Com os
progressos da socialização da criança e o desenvolvimento de suas estruturas
intelectuais, o jogo egocêntrico é abandonado. O convívio social é mais
interessante. As obrigações são impostas por intermédio das relações de
reciprocidade e cooperação do grupo.
O jogo de
regras é necessário para que as convenções sociais e os valores morais de uma
cultura sejam transmitidos.
As
estratégias de ação, a tomada de decisão, a análise dos erros, lidar com perdas
e ganhos, replanejar jogadas em função dos movimentos dos adversários, tudo
isso é importante para o desenvolvimento das estruturas cognitivas de cada
pessoa. O jogo provoca conflitos
internos, a necessidade de buscar uma saída, e é desses conflitos que o
pensamento sai enriquecido, reestruturado e apto para lidar com novas
transformações.
Jogos na
escola
Depois
das observações feitas acima vimos que a escola não pode prescindir deste
recurso. Na escola a construção do conhecimento pode ser feita de forma
prazerosa garantindo uma motivação para aprendizagem.
O jogo
vai depender da etapa em que cada aluno se encontre. Se estão aprendendo a
escrever seu nome ou palavras de sua língua, a escola pode lhe propor jogos de
exercícios a fim de que os esquemas de ação motora tão necessários para que esta
tarefa seja adquirida.
Quando já
se encontra numa fase mais avançada é a vez dos jogos simbólicos, serem
chamados a cena, entonação, o brincar com a linguagem num constante recriar.
Nas
séries mais avançadas (adolescência) é a vez do de regras, onde as atividades
em grupo são bastante valorizadas para que as convenções sociais e os valores
morais de uma cultura possam ser transmitidos.
Importância
do jogo na vida futura
O
processo de aprendizagem lúdica bem como o processo cognitivo visa a sua
preparação para o futuro. Neste inclui sua inserção no mercado de trabalho. Ter
capacidade de ver o trabalho como algo criativo, na medida em que nele se
estabelecem relações gratificantes. Do jogo simbólico pode se herdar a
possibilidade de experimentar papeis, representar, dramatizar, recriar
situações do dia a dia.
O jogo
para a psicopedagogia
Para o
diagnóstico psicopedagógico a atividade lúdica é um rico instrumento de
investigação, permite ao sujeito se expressar livre e de forma prazerosa. Para
o psicopedagogo é uma importante ferramenta de observação sobre a simbolização
e as relações que este estabelece com o jogo, permitindo a formulação de
hipóteses e diagnósticos para uma posterior intervenção.(Maria Cristina de
Matos Kuawahra) By Lully.
Nenhum comentário:
Postar um comentário