O estudo e a análise da Modalidade de Aprendizagem que cada um possui
diferenciadamente, de acordo com as relações vinculares que manteve na sua
história vital.
Aqui neste trabalho, pretendemos falar não nas
lacunas nem nos déficits das crianças que apresentam dificuldades no seu
processo de aprender. O nosso enfoque, na avaliação desse
aprendente, será voltado para o seu potencial de aprendizagem.
Para isto, traremos, não uma receita pronta, não
formas e técnicas já conhecidas de todos, mas sim uma filosofia que faça uma
leitura diferente da que sempre usamos no trabalho com portadores de
dificuldades na aprendizagem. Não significa, com isso, que não tenhamos nossas
técnicas, nossos testes, já também conhecidos por todos que atuam nesta área
diagnóstica.
Pensamos num processo de desenvolvimento onde não
apenas se considere a existência de imposições e limites de uma estrutura, mas
onde também exista um sistema aberto, cheio de possibilidades, de criação e de
liberdade, conforme nos mostra Maria Célia Malta Campos (1999).
Seguindo esta linha de pensamento, devemos
compreender a aprendizagem humana como uma rede plena de interações, vínculos,
compromissos e papéis, que constituem um sistema complexo, no qual devemos
atuar. Aí teremos o envolvimento não apenas do aprendente, mas da família, da
escola, da sociedade, permeados por uma filosofia, uma ideologia e uma política
governamental. Ainda nos cabe observar a história de vida de cada elemento
dessa rede de sistema, e as oportunidades que foram oferecidas a cada
indivíduo. Cabe-nos ter um olhar que nos permita atuar no plano da subjetividade,
uma vez que não há testes e programas elaborados previamente que possam dar
conta da diversidade de cada sujeito singular. Daí porque temos que entender o
processo de aquisição do conhecimento não como uma deficiência de qualquer
ordem, mas sim como resultante de um vínculo negativo com o aprender, numa
relação desprazerosa com o conhecimento, onde não emerge o desejo de conhecer,
não surgindo, conseqüentemente, a necessidade de fazer uso de suas habilidades
e de suas funções cognitivas.
Consideramos que os percalços do indivíduo, na sua
relação com o conhecimento, se dão principalmente em função de sua privação
cultural que não está necessariamente ligada a uma privação social e econômica.
Em função dessas considerações iniciais, traremos
aqui, para uma reflexão, dois aspectos que consideramos importantes numa
avaliação, na qual, não estaremos em busca dos déficits e das falhas do
indivíduo que fracassa no seu processo de aprendizagem, mas sim em busca de
suas potencialidades para adquirir conhecimento, na sua capacidade de usar mais
adequadamente suas funções cognitivas:
O estudo e a análise da Modalidade de Aprendizagem
que cada um possui diferenciadamente, de acordo com as relações vinculares que
manteve na sua história vital.
O estudo da Teoria da Modificabilidade Cognitiva
Estrutural que foi desenvolvida pelo psicólogo e pedagogo romeno Reuven Feuerstein,
cujos trabalhos foram desenvolvidos no Centro Internacional para o Estudo do
Potencial de Aprendizagem (ICELP), em Jerusalém. Esta teoria consiste na
Experiência de Aprendizagem Mediada – EAM e no Diagnóstico do Potencial de
Aprendizagem. Os aportes teóricos utilizados por Feuerstein advém de Piaget e
Vygotsky,
objetivando o seu uso no contexto pedagógico e terapêutico para ajudar a pensar
o diagnóstico, a pensar a intervenção psicopedagógica não só na família, na
prática clínica, mas também nas instituições escolares.
Falaremos de imediato sobre as Modalidades de
Aprendizagem.
O conceito de Modalidade de Aprendizagem nos é dado
por Alicia Fernández (1991), e nos propicia uma passagem do universal para o
particular, da análise estática do aqui/agora para o estudo de um processo
dinâmico, de um objeto de conhecimento construído para um objeto de
conhecimento em construção. O fundamental aqui é o modo como se dá o processo
de construção de conhecimento, no interior do sujeito que aprende.
Cada um de nós apresentou uma forma, um modo
particular singular de entrarmos em contato com o conhecimento. Isto quer dizer
que cada um de nós tem nossa particular e individual modalidade de
aprendizagem, que oferece uma maneira própria de nos aproximarmos do objeto de
conhecimento, formando um saber que nos é peculiar. Esta modalidade de
aprendizagem é construída desde o nascimento do indivíduo, e é através dela que
este indivíduo enfrenta-se com a angústia inerente ao conhecer-desconhecer.
A modalidade de aprendizagem se constitui numa
matriz, num molde, num esquema de operar utilizado nas várias situações de
aprendizagem. Esta modalidade assemelha-se com a modalidade sexual e com a
forma de relação que o indivíduo mantém com o dinheiro. É por isso que a
modalidade de aprendizagem é sempre singular e específica.
Através do conhecimento da modalidade de
aprendizagem do indivíduo poderemos introduzir um aparato pedagógico que atenda
às necessidades específicas do aprendente. E são estas necessidades específicas
que vão nortear nosso trabalho. Podemos exemplificar com o caso de uma criança
que faça uso constante do manuseio dos objetos que lhe são apresentados. Isto
nos dá uma pista de que sua modalidade de aprendizagem o faz privilegiar o tato
como uma forma de entrar em contato com o objeto de conhecimento. A
especificidade de sua necessidade leva-o a desenvolver uma forma própria de
construir seu conhecimento e chegar ao saber direcionado para o lado tátil. Portador
desse conhecimento, o psicopedagogo, como também o professor, usará atividades
que propiciem o ensino das diferentes texturas dos objetos, ou mesmo
solicitando ao aprendente que lhe fale de como é o seu particular modo de
perceber o mundo, podendo, o educador, investigar a forma como constrói o
objeto.
Segundo Sara Pain
(1986), as modalidades de aprendizagem do indivíduo, por sua vez, dependem das
modalidades de inteligência. O estudo dessas modalidades vem da análise
realizada por Piaget a cerca do movimento de acomodação e do movimento de
assimilação que o sujeito realiza para adquirir suas primeiras aprendizagens
assistemáticas, e que caminharão com ele até chegar às aprendizagens
sistemáticas, cujos aspectos positivos e negativos irão depender da maneira
como as relações vinculares permeiam este processo. Sara Pain considera que
esses movimentos piagetiano quando perpassados por vínculos negativos
desenvolvem uma hiper e/ou hipo-acomodação, ou uma hiper e/ou hipo-assimilação
que construirão, no sujeito, modalidades de inteligência patogenia.
Outro aspecto que o psicopedagogo deverá considerar
é o de que o processo ensino-aprendizagem é sempre um caminho de via dupla. As
modalidades de aprendizagem que interferem neste processo dizem respeito não
exclusivamente ao aprendente, mas também ao ensinante. Isto nos leva a refletir
na nossa própria modalidade de aprendizagem, e, desta forma, compreendermos
qual o significado que um processo de avaliação tem para nós educadores.
Continuando com esta análise, discorreremos, agora,
sobre a Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural.
Reuven Feuerstein nasceu na Romênia, em 1921,
graduou-se em Psicologia e Pedagogia em Bucareste. Estudou em Genebra, na
Suíça, onde trabalhou com André Rey e Piaget. Passou ainda pela Universidade de
Sorbonne, em Paris, aonde fez o Ph.D. em Psicologia do Desenvolvimento.
Seu trabalho psicopedagógico teve início com sua
atuação junto às pessoas sobreviventes do holocausto, com portadores da
Síndrome da Down, e também com pessoas "normais", mas que
apresentavam problemas na sua aprendizagem. Feuerstein acredita que se pode
elevar a capacidade intelectual de uma pessoa, seja criança, adolescente ou adulto,
com o auxílio de um mediador.
Seu trabalho está dividido em duas principais
áreas: uma teórico-conceitual, outra pedagógico-instrumental, apresentando-se
ambas de forma integrada. Sua maior experiência é com crianças com baixos
índices de rendimento cognitivo-intelectual. Observou que os instrumentos
utilizados na sua avaliação davam conta do fraco nível intelectual, mas em nada
ajudavam essas crianças a melhorarem seu potencial cognitivo. Começou a
preocupar-se com as crianças que não tinham nenhuma ajuda para elevar seu
potencial cognitivo, até mesmo porque os profissionais não realizavam uma
avaliação que estivesse voltada para a observação do potencial que essas
crianças pudessem apresentar. Criou, e durante anos testou um instrumento que
deu suporte psicopedagógico ao seu trabalho. Construiu, então, dois programas
que integram seu método:
1. Programa de Enriquecimento Instrumental – PEI;
2. Avaliação do Potencial de Aprendizagem – LPAD (
Learning Potential Assessment Device ).
O PEI
A elaboração teórica, seguida por Feuerstein, está
basicamente vinculada a de Piaget e Vygotsky. Mas é deste último onde se
observa uma maior aproximação, uma vez que a teoria de Vygotsky marca sua
fundamental presença nos conceitos elaborados por Feuerstein.
Vygotsky explica seu conceito de desenvolvimento
cognitivo num primeiro nível, onde localiza o desenvolvimento cognitivo num
plano biológico, através do qual os processos psicológicos se dão em função da
maturação orgânica. A esses processos, ele denomina processos psicológicos
naturais. Aqui existe uma semelhança com o desenvolvimento cognitivo estudado
por Piaget. Num segundo nível, o autor explica que o desenvolvimento cognitivo
ocorre por causa de um demorado processo de mediação sócio-cultural, no qual a
criança chega lentamente a operar na sua mente os processos psicológicos
superiores, numa inter-relação sócio-psicológica. È através das relações
interpsíquicas que se dá a construção das estruturas intrapsíquicas, fazendo,
assim, com que o processo psicológico da internalização desenvolva, na criança,
as estruturas lingüísticas e cognitivas. ( Beyer, 1996 ).
Através desta teorização de Vygotsky, Feuerstein
desenvolve o seu conceito de Experiência de Aprendizagem Mediada - EAM, que
será a idéia principal de sua teoria. Como o desenvolvimento cognitivo se dá
através do processo da aprendizagem da criança em interação direta com o meio,
a sua aprendizagem dar-se-á através de uma mediação intencional das pessoas que
estão mais próximas. Observou também que os instrumentos de avaliação
utilizados, nesta ocasião, evidenciavam um percentual muito alto de pessoas com
inteligência abaixo da média. Este fato levou os pesquisadores que trabalhavam
com Feuerstein a concluírem que este desvio da média se dava em função das
diferenças culturais, mostrando que as dificuldades cognitivas eram
determinadas mais por fatores sócio-culturais do que intelectuais. Feuerstein
conclui então que as dificuldades cognitivas da criança e dos adolescentes se
davam por deficiência cultural, que não necessariamente estava associada à
carência econômica. A conotação dada ao termo "deficiência" se
referia a observação de que alguma coisa não estava caminhando bem nos
processos cognitivos da criança. Concluiu mais: através de uma experiência de
aprendizagem mediada, o indivíduo se desenvolve cognitivamente de forma
adequada, surgindo sua teoria de modificabilidade cognitiva, e que, para sua
prática, elaborou o Programa de Enriquecimento Estrutural - PEI.
O PEI está elaborado com base numa representação
analítica dos processos mentais que Feuerstein chama de Mapa Cognitivo. Este
mapa oferece a possibilidade de se analisar o perfil cognitivo do sujeito com
dificuldades de aprendizagem, auxiliando a aplicação dos instrumentos que
compõem o PEI.
O Mapa Cognitivo nos permite uma análise das
seguintes dimensões que o mapa contém, e que nos é dada por Beyer(1996):
A dimensão do conteúdo que apresenta fatores
importantes a serem considerados: poderá ser estranho ao sujeito, absorvendo
assim maior energia e atenção, precisando de um tempo adicional para solucionar
o problema e dominar o conteúdo. O outro fator é que sendo muito familiar, ou
até banal poderá desmotivar o sujeito para o trabalho de resolução do problema.
A dimensão das operações do pensamento, definidas
por Feuerstein como "um grupo de atividades cognitivas interiorizadas,
sistematizadas e coordenadas umas às outras"(Beyer,1996)
A dimensão da modalidade que podem ser variadas,
como figurativas, numéricas, simbólicas ou verbais, sendo quase sempre
simultâneas. No trabalho psicopedagógico, deve-se verificar, em primeiro lugar,
que modalidade é preferencial na representação mental, determinando dessa forma
que caminhos o mediador deverá seguir para que o sujeito solucione o problema
sem maiores dificuldades.
A dimensão das fases que dizem respeito aos vários
momentos do pensamento que o sujeito utiliza para solução do problema. Aqui
Feuerstein determina a fase de assimilação, a de elaboração, a da resposta que,
para a solução da tarefa, devem estar integradas. Este conceito é muito
importante para o autor, uma vez que é através deste ato mental que o mediador
pode localizar onde se encontra a inadequação da resposta.
A dimensão do grau de complexidade, cujo nível
depende de informações necessárias para a solução da tarefa, de fatores
objetivos e subjetivos, como quantidades de elementos a serem considerados, de
que forma o problema foi colocado e que operações foram requisitadas( objetivo
) e a familiaridade do sujeito com a tarefa (subjetivo).
A dimensão do grau de abstração que considera o
"distanciamento espaço-temporal entre a atividade mental e o objeto ou o
acompanhamento alvo da representação"(Beyer-1996), e que é estabelecida
por Feuerstein como uma hierarquia de níveis de abstração.
A dimensão do grau de efetividade que analisa
aspectos como motivação, cansaço, doença, condições emocionais que influenciam
na eficiência do rendimento do sujeito na solução do problema.
Desta forma, acreditamos que a avaliação deva ser
utilizada como um processo sistemático, a fim de que se possa receber
informações de como o nível de modificabilidade, em determinadas áreas do
desenvolvimento do sujeito, vem se processando, como também das características
dinâmicas de seu potencial de aprendizagem. Esta avaliação deve ser constante,
fazendo parte do processo de ensino-aprendizagem do aprendente, o que irá
possibilitar, necessariamente, uma modificação na intervenção do educador,
neste processo. Permite-nos avaliar a coerência do modelo interventivo e a
relação das estratégias encadeadas e interdependentes, atingindo uma dimensão
totalizadora, não dando chance a que o problema de aprendizagem se instale.
Fica claro, assim, que o educador, seja professor,
seja psicopedagogo, estará, junto com o aprendente, em constante processo
também de aprendizagem.
Consideramos também importante ressaltar que uma
avaliação psicopedagógica deve levar em consideração os vários sujeitos e
sistemas que se encontram muito inter-relacionada.
Para concluirmos, gostaria de citar uma fala do
Professor Vítor da Fonseca, que diz:
"A criança como ser humano é
um ser aberto à mudança, deficiente ou não-deficiente, pode modificar-se por
efeitos da educação e, ao mudar a sua estrutura de informação, formação e
transformação do envolvimento, pode adquirir novas possibilidades e novas
capacidades. À criança, pois, a nossa esperança."
(Maria das Graças
Sobral Griz)By Lully.
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